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Sudão corre para apagar marcas do genocídio
Equipe de atletismo reúne membros de diferentes tribos
que querem aproveitar os Jogos de Pequim para mostrar
um outro lado do país, marcado pelo conflito em Darfur
Corredores se irritam ao falar sobre campanhas internacionais pelo boicote aos Jogos da China, parceira econômica dos sudaneses
MARIANA LAJOLO
DA REPORTAGEM LOCAL
Ismail Ahmed Ismail, 24, é
um fur. Abubaker Kaki Khamis, 19, é da tribo árabe misseriya, uma precursora da milícia
janjaweed. Em Darfur, seus povos estão envolvidos há anos
em confrontos sangrentos.
A lembrança do caos que reina no país que ambos chamam
de lar os persegue a cada passada. Mas as diferenças tribais
não cabem na pista.
Ismail e Khamis dividem o
mesmo quarto no acanhado
alojamento da equipe de atletismo do Sudão, defenderão a
mesma bandeira na Olimpíada
de Pequim e perseguem o mesmo sonho, mais importante até
do que o ouro olímpico.
"Nossa participação irá ajudar as pessoas a olharem para
nosso país por um novo ângulo.
Hoje, só pensam coisas negativas sobre o Sudão. Convivemos
em harmonia na equipe, não
importa de que tribo somos, somos atletas de um país", disse
Khamis à Folha, por e-mail.
Nos últimos meses, os sudaneses passaram a conviver com
um novo fantasma. O apoio da
China ao governo do Sudão, de
quem compra petróleo, mobilizou ativistas do mundo todo
em uma campanha pelo boicote aos Jogos Olímpicos.
Desde 2003 os combates na
região de Darfur deixaram centenas de milhares de mortos e
milhões de desabrigados. A milícia islâmica janjaweed é acusada de cometer atrocidades
contra a população civil no
conflito que opõe a população
árabe muçulmana aos muçulmanos não árabes da região.
Para os fur e janjaweeds
membros da equipe olímpica
do país africano, no entanto, a
ausência nos Jogos de Pequim
irá prejudicar só a ponta mais
fraca dessa disputa política.
"Eles treinam duas vezes ao
dia em instalações precárias e
não se queixam, esforçam-se
mais, convivem em harmonia",
diz o técnico Jama Aden.
"O boicote é a pior coisa que
poderia acontecer aos atletas
do Sudão. Eles perderiam uma
chance que nunca voltariam a
ter. As pessoas que pregam o
boicote não pensam que [a participação na Olimpíada] pode
trazer benefícios a Darfur, ao
Sudão. Os atletas ficam muito
desapontados com essas campanhas e nem gostam de falar
sobre isso", completa ele.
Os sudaneses devem disputar as provas de atletismo na
China com 12 atletas, metade
deles nascidos em Darfur, região a oeste do país africano.
O recente sucesso dos corredores do Sudão se deve em
grande parte ao esforço solitário de Aden. Em 1987, ele se
consagrou como técnico ao
ajudar Abdi Bile, da Somália,
na conquista de um título
mundial. Há seis anos trabalha
com o time do Sudão e tenta
contornar suas dificuldades.
O alojamento é precário, o
estádio parece que nunca ficará
pronto, e os atletas treinam em
meio a poeira e entulho. As
condições, porém, são muito
melhores das que encontrariam em suas vilas. No centro
de treinamento podem fazer
três refeições por dia.
O treinador também criou
um programa de detecção de
talentos e se enveredou pelo
deserto para recrutar jovens
corredores. Os resultados nas
pistas já começam a aparecer.
Em março, Khamis se tornou
campeão mundial indoor ao
vencer os 800 m. Antes da
competição na Espanha, o corredor nunca havia visto uma
pista coberta. Em junho, cravou o recorde mundial júnior
da distância -1min42s69.
Khamis virou celebridade no
Sudão, ganhou afagos do governo. Disse, porém, que sua principal motivação para correr é
ajudar a família pobre e representar bem sua equipe.
Alguns dos atletas treinados
por Aden já conseguiram patrocínio da Nike. O técnico
também obteve doações da
embaixada britânica em Cartum, capital do país, e ajuda de
países europeus que recebem o
time para treinos. A equipe se
veste graças ao patrocínio de
uma fabricante chinesa.
"A participação nos Jogos
pode gerar grandes mudanças
na realidade deles e na imagem
do Sudão. É a chance de o mundo ver um lado bom do país."
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