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FUTEBOL
Conversa de botequim
TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA
Alguns leitores me falam
que gostam mais de minhas
crônicas em que não escrevo sobre futebol. Outros, ao contrário,
preferem as minhas análises técnicas e táticas. Há ainda os que
apreciam as duas abordagens e os
que não gostam do que escrevo,
mas não deixam de ler para criticar e questionar.
Aprendo com as críticas, desde
que elas não sejam apenas de torcedores parciais. Interessante é
que há um grupo de torcedores
que são excessivamente duros
com os jogadores e com o seu time, mas que não aceitam as mesmas críticas de comentaristas.
Acham que queremos menosprezar o seu clube de coração.
Quando era professor de medicina, tentava, obsessivamente, ser
amplamente compreendido pelos
alunos. Durante algum tempo,
transportei essa ansiedade para
minhas crônicas. Hoje, sei que isso é impossível. As pessoas entendem do jeito que desejam, de
acordo com seus conhecimentos e
referências. Esse é um dos problemas da comunicação humana.
Aprendi também durante o curso de psicanálise, na minha análise e, principalmente, na vida, a
respeitar as diferenças, a olhar
para todos os lados e não apenas
para o meu umbigo e a conhecer e
conviver com as minhas fraquezas e limitações. Aprendi ainda o
óbvio, que um dos maiores desejos de homens e de mulheres é ser
reconhecido. Precisamos da aprovação e do olhar do outro.
Não sei por que falo dessas coisas. Parece conversa de botequim.
A consciência me avisa de que tenho de escrever sobre futebol.
Gostaria de ver o futebol apenas
com o olhar de um poeta, para
apreciar a beleza do espetáculo,
sem preocupações técnicas. É como faço, de vez em quando, ao escutar uma melodia com os olhos
fechados. Sentir, sem entender.
Gostar, sem pensar. Sou um homem romântico.
Porém sou também um homem
pragmático, racional, metido a
entender de futebol e que tem
prazer em analisar e transmitir os
detalhes técnicos e táticos de uma
partida. A função de comentarista é também a continuação da
minha vida de professor.
Parece que algumas pessoas
acham que o comentário técnico é
uma coisa chata, pouco intelectual, menor. Estranho! Como se
fôssemos obrigados a escolher entre a beleza, o espetáculo e a técnica. Com raras exceções, não existe
arte sem técnica.
O mesmo acontece na vida. Temos sempre de optar entre a razão e a paixão, o corpo e a alma, o
socialismo ou o capitalismo, o otimismo ou o pessimismo e dezenas
de outras escolhas. Não há meio-termo. Como se a vida se passasse
nos extremos. Essa dicotomia é
uma das causas do sofrimento
humano. O corpo deseja uma coisa, e a alma, outra.
No início do futebol só era importante a habilidade, a descontração e a improvisação. Era uma
gostosa brincadeira, sem professor para atrapalhar.
A seleção brasileira campeã do
mundo em 1970, ao mesmo tempo em que encantou o mundo
com o talento de seus jogadores,
foi um marco na preparação científica e moderna. A partir desse
momento, houve uma supervalorização da parte tática, física, do
conjunto, em detrimento da individualidade, da improvisação e
da beleza do espetáculo.
Os técnicos científicos tomaram
conta do futebol. Passaram a ser
as estrelas do espetáculo. Estudavam muito e pensavam pouco.
Criaram regras e dogmas. Eles
queriam transportar essas "verdades" para todas as partidas.
Queriam levar o jogo para o livro
e não usar o conhecimento para
entender a partida. Cada jogo
tem a sua história.
O futebol ficou feio, chato e ineficiente. Felizmente, há muitos
anos, isso está mudando. Muitos
treinadores estão tentando associar a beleza com a técnica, o individual com o coletivo, o espetáculo com a eficiência, a improvisação com a disciplina tática. É o
que penso e defendo desde a época de jogador.
Preciso terminar esta coluna e
não sei como. É um lugar-comum, mas vou citar as palavras
de um grande pensador. Da mesma forma como os craques são os
personagens mais importantes do
futebol, os poetas são muito mais
sábios do que a ciência.
"Depois de algum tempo, você
aprende que não importa em
quantos pedaços seu coração foi
partido, o mundo não pára para
que você o conserte. Aprende que
o tempo não é algo que possa voltar atrás. Portanto, plante seu jardim e decore sua alma, em vez de
esperar que alguém lhe traga flores." (William Shakespeare)
E-mail
tostao.folha@uol.com.br
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