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FUTEBOL
Almoço e jantar garantidos
FLÁVIO PRADO
ESPECIAL PARA A FOLHA
O importante jornal "Corriere Della Sera", da Itália,
trouxe duas referências ao Brasil
na sua edição da última sexta-feira. Uma entrevista com a brasileira Mirian, na página policial, e
uma declaração do brasileiro Eriberto, na parte de esporte.
Mirian vive em Milão, trabalhando nas ruas, na noite. Saiu do
Brasil para ser bailarina. Virou
prostituta. Foi o jeito encontrado
para "fugir da fome".
Bonita, encontrou vários interessados no seu trabalho. Explorada, resignou-se com o destino. E
até confessa que vive bem. As roupas são boas, os perfumes poderiam ser de melhor gosto, mas, enfim, não falta almoço, jantar e até
dá para mandar algum dinheiro
para a família no Brasil.
Eriberto também resolveu se
confessar. Ele é um "gato" do futebol. Em 1996, falsificou documentos, mudou de nome, largou
o passado de miséria e apostou
num sonho. O antigo Luciano Siqueira, de 20 anos, num passe de
mágica virou Eriberto Silva da
Conceição e passou a ter 16 anos.
Era fazer a "operação" ou passar fome. Com a bola, talvez o
mundo mudasse para ele. E as
coisas começaram a dar certo.
Jogando entre garotos, no Palmeiras, ele se destacou. As mesmas pessoas que lhe aconselharam a mudar de idade e nome resolveram levá-lo, de forma intempestiva, para a Europa.
O que teria a perder um negro
pobre, com pouca escolaridade e
sem perspectivas imediatas no time principal do Palmeiras?
E lá foi ele. De repente, seu nome falso virou notícia. Passou a
comandar o pequeno Chievo, time que se tornou a sensação do
Campeonato Italiano no ano passado. Jogava muito. As canelinhas magras corriam como nunca, e a fome ia ficando cada vez
mais para trás.
Eriberto ficou muito importante. Sua vida melhorou, vieram
um bom carro, roupas da moda,
dinheiro e comida na hora certa,
que era o principal.
Há alguns dias, ele quase foi para a Lazio, melhorando ainda
mais de vida.
Não deu certo, mas hoje ele é o
Eriberto, respeitado na Europa.
Não, ele não é o Eriberto.
Ele é o Luciano, aquele mesmo
que queria fugir da pobreza e
conseguiu. Embarcou num sonho, ou numa esperança, provavelmente a única, como a Mirian,
de ter comida na mesa todo dia.
Eriberto afirma que carregava
esse peso na consciência. E por essa razão revelou sua história.
Agora ele está no Brasil tentando
voltar a ser o Luciano. Retomar
sua identidade.
Os diretores do Chievo têm demonstrado compreensão com o
jogador. O Chievo foi criado por
meio de uma empresa de panificadores de Verona e deu muito
certo, quase chegando à Copa dos
Campeões no ano passado. Mais
do que poderiam prever no começo. Eriberto encontrou seu pão
neste clube. Agora, quer sua identidade, enquanto Mirian prefere
continuar sendo "só" a Mirian
das noites de Milão. Não é a vida
que ela projetou. Mas pelo menos
a geladeira está cheia.
E o Ricardinho tirou as asas de
gavião, passando a desfilar suas
novas plumas no Morumbi a partir desta semana. Há uma grande
discussão sobre a ética no caso.
Talvez possamos discutir o São
Paulo, não esperando o final do
contrato do Ricardinho e fazendo
uma proposta de mais de R$ 15
milhões por quatro anos de contrato para o jogador.
Em Portugal, quando os jogadores ganharam a liberdade,
também aconteceram assédios
desse tipo seguidos de trocos no
mesmo nível. Até que os clubes
perceberam que era melhor deixar o mercado se acomodar e tudo voltou à normalidade, com
ninguém invadindo a área de
ninguém.
Quanto ao Ricardinho, até que
deu chances demais ao Corinthians. Ele é um profissional que
recebeu uma melhor proposta de
trabalho. Se fosse tão fundamental como apregoou o Corinthians,
teriam dado um jeito de segurá-lo, melhorando seu salário.
Já a torcida uniformizada, que
está reclamando, não tem que ser
levada em consideração. Há vários ex-ídolos do Corinthians passando necessidade, e nunca vi nenhuma uniformizada ajudando
esse pessoal do passado.
Melhor o Ricardinho ouvir algumas ofensas agora e garantir
seu futuro do que precisar de algum apoio lá na frente e não encontrar qualquer respaldo. Isso se
não for proibido de entrar no clube, como já ocorreu até com o Basílio, o grande Pé-de-Anjo.
Flávio Prado, 48, é apresentador do
Cartão Verde da Rede Cultura e comentarista da Rádio Jovem Pan.
Tostão, em férias, volta a escrever neste
espaço em 4 de setembro.
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