São Paulo, terça-feira, 25 de outubro de 2011

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LOS GRINGOS

JOHN CARLIN

Torcedor relapso


Não posso pensar em um destino mais cruel do que ser torcedor do Manchester United hoje

Eu era um torcedor sério. Mas deixei de sê-lo há cerca de dez anos. O sentimento se foi como no filme do Woody Allen em que o protagonista está obsessivamente apaixonado por uma mulher até que um dia descobre que não liga mais para ela.
O objeto de paixão era o Manchester United. Quando criança, rezava toda noite para que o time vencesse.
(Minha fé jamais foi maior do que no dia em que o time ganhou a Copa da Europa, batendo o Benfica em 1968, ou menor do que em 1969, quando perdeu para o Milan). Quando adolescente, acompanhava o time pelo país. Quando o United perdia, passava a semana deprimido. Quando vencia, tinha um dia de felicidade. Nos seis dias seguintes, ficava ansioso pelo próximo jogo.
Deixei a Inglaterra para viver em lugares com guerras, golpes militares, assassinatos, mas isso me propiciou uma nova perspectiva sobre o futebol? Será que o jogo perdeu importância?
Não. Quando escolhi um lugar pacífico para morar, Barcelona, em 1998, havia um motivo para isso, disseram meus amigos. Foi em 1999 que o United ganhou a segunda Copa Europeia. Eu estava no Camp Nou, gritando tanto que passei uma semana rouco.
Dois anos mais tarde, perdi a fé. Tenho duas explicações: conheci Alex Ferguson, o técnico do United, e comecei a escrever sobre futebol em jornais. Isso obriga o autor a empregar a porção racional do cérebro, por mais limitada (como no meu caso) que seja, deixando de lado os impulsos irracionais sem os quais um torcedor não é torcedor. Acho que foi isso que ocorreu, e não sinto que tenha sido uma melhora.
Sinto-me apequenado, menos másculo. Tornei-me uma daquelas criaturas frouxas, pedantes -um gourmet do futebol. Já não existe mais sangue em minha associação com o esporte.
Hoje, agradeço aos deuses por terem destruído minha paixão. Não consigo pensar em destino mais cruel do que ser torcedor do United hoje. O fim de semana foi mais doloroso que o pior dos pesadelos. O United perdeu por 6 a 1, em casa, para seu inimigo, o Manchester City. Para um torcedor leal do United como fui, a derrota deve parecer tão destrutiva que preciso me esforçar, mesmo agora, para não tentar imaginar a sensação. Ser torcedor do United hoje é ser arremessado ao impiedoso centro da tempestade da vida. Pela primeira vez em dez anos, sinto-me grato por ter virado um reles diletante, alguém que desliza pela superfície das coisas sem lhes atribuir importância demasiada.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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