São Paulo, terça-feira, 26 de agosto de 2008 |
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JOSÉ ROBERTO TORERO Escabeche, o cafajeste
O BAR da Preta possui uma rica fauna, com espécimes variados. Um dos mais curiosos é Escabeche, o cafajeste. Escabeche é um aposentado lá pelos seus 60 anos e ganhou a primeira parte do apelido porque é o único que se arrisca a comer as sardinhas à escabeche que ficam no enorme vidro em cima do balcão. Elas devem estar lá desde a inauguração do bar e já são parte da decoração. Mas Escabeche não se intimida e todo dia, pela manhã, pede uma de tira-gosto. A segunda parte do apelido vem de suas opiniões, sempre politicamente incorretas. Ontem, mal cheguei e ele, com seu hálito bem temperado, disparou: "Jornalista, essas Olimpíadas foram daqui, ó", e puxou o lóbulo da orelha esquerda. "É verdade, foram quebrados vários recordes mundiais", concordei. "Que recordes mundiais!? Tá me estranhando. E eu lá ligo para cronômetro? Estou falando é de mulher." "É, ganharam várias medalhas." "Isso é o de menos. O que vale é o que fica no entorno das medalhas", disse ele, colocando duas meias laranjas no lugar dos peitos. "Suspende o suco", falei para a Preta. Escabeche continuou: "Viu as minas do futebol?". "É, elas jogaram bem." "Batem um bolão. De noite eu até sonhava que estava fazendo uma triangulação com a Marta e a Cristiane. Triangulação, entendeu?", ele perguntou me dando uma cotovelada de leve. Após uma rápida palitada nos dentes, Escabeche perguntou: "E aquela Natália do Tá Com Dor?" "Taekwondo?" "Isso! Com aquela lá é entre tapas e beijos, hein, hein?", disse ele levantando as sobrancelhas duas vezes. A Preta, que foi faxineira da Simone de Beauvoir e é feminista de carteirinha, só revirava os olhos. "As minas da ginástica também têm sua graça", disse Escabeche. "Se eu topasse com elas ia ser Branco de Neve e as sete baixinhas, rá, rá, rá", riu ele sozinho. Tentei manter o assunto na área esportiva: "Pena que elas não conseguiram uma medalha como as meninas do vôlei." "Ah, nem me fale! Por aquelas meninas eu ficava acordado a madrugada toda. E não tô falando de jogo, he, he..." "É uma equipe coesa", desconversei. "É, qualquer uma ia bem", ele concordou. "Podia ser a Mari, que eu gosto de uma polaca, podia ser a Paula Pequeno, que de pequeno não tem nada, a Fabiana, que é do tipo Sargentelli, ou a Jaqueline. Ah, Jaqueline..." "É a sua favorita?", perguntei. "Não, para mim ela é prata. O ouro fica com aquela que tem nome de sopa. Pelamordedeus, que pernas, hein? Que pernas!" "Têm grande impulsão", comentei. Escabeche me olhou com ar de pena e bufou, desistindo. Aproveitei o instante de silêncio para enfiar a cara no jornal, mas escutei quando ele, cochichando, pediu para a Preta: "Me faz uma vitamina no capricho. Para viagem. A patroa não está muito boa e eu vou levar um agradinho para ela". Depois, olhando em volta para se certificar de que ninguém estava prestando atenção, completou: "Também vê um pão na chapa. Ela gosta bem tostadinho, viu?" torero@uol.com.br
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