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No Brasil, futebol é coisa de moleque
Enquanto craques debandam para o exterior, participação de atletas com menos de 20 anos cresce 140% nos últimos três anos no Brasileiro
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PAULO COBOS
MARÍLIA RUIZ
DA REPORTAGEM LOCAL
O que era um quebra-galho ou
prerrogativa de grandes craques,
como Pelé e Ronaldo, começa a
virar rotina no futebol brasileiro.
Esfacelados pelo êxodo de atletas para o exterior, os clubes do
país utilizam um verdadeiro exército de adolescentes no Nacional.
Mais de uma centena de atletas
que não haviam completado 20
anos no início da competição, no
final de março, entraram em campo só no primeiro turno. Isso significa 12% do total de jogadores
que já atuaram pelo Brasileiro.
Em 2000, na última edição antes
da entrada em vigor do dispositivo da Lei Pelé que acabou com o
passe, só 5% dos atletas inscritos
para a primeira metade do certame eram adolescentes. Há dez
anos, a participação teen foi só
um pouco maior -6%.
Quando se compara com a situação de outros países fica ainda
mais clara a precocidade brasileira. No Campeonato Espanhol que
começou ontem, nem uma dezena de adolescentes aparecia na lista de quase 600 atletas inscritos.
Mais do que uma safra refinada,
o que causa a explosão de teens é o
retrato atual do futebol no Brasil.
Uma lei debatida por anos, mas
que ainda não foi absorvida pelos
clubes, cofres vazios e um campeonato nunca antes visto no país
abriram o caminho profissional
para juvenis e juniores.
Primeiro, com a Lei Pelé, os clubes passaram a ter pouco controle
sobre os destinos dos atletas.
Receosas de ficarem sem o dinheiro da venda de um jogador
que vai ficar livre para mudar de
clube ao final do contrato, as equipes negociam apressadamente
quem tem mercado no exterior.
Foi o que aconteceu com Kaká,
que tinha contrato com o São
Paulo até 2005, mas foi repassado
ao Milan há menos de um mês.
Após o fim do passe, em março
de 2001, times que formam jogadores ganharam o direito de assinar com eles, aos 16 anos, o primeiro contrato profissional, com
prazo máximo de cinco anos.
Se tivessem dinheiro em caixa,
os clubes não teriam porque reclamar do fim do passe, já que, ao
mesmo tempo em que não ganham nada ao fim de cada contrato, não precisam investir, além do
salário, em novas contratações.
Mas, como não têm reais ou dólares no banco, as equipes necessitam trazer jogadores da base,
muitos deles ainda na adolescência, para repor as perdas.
Tudo isso é agravado pelo formato do Nacional, que terá quase
nove meses de duração, em um
cenário onde alguns contratos
duram só um semestre.
"Não nos dão opção neste Brasileiro de pontos corridos. Perdemos nossos atletas para o dinheiro de fora, não temos condição de
repatriar e não podemos trocar de
jogadores no meio do ano [por
causa do regulamento]. Estamos
rezando para chegar o dia em que
se encerram as inscrições na Europa", diz Juvenal Juvêncio, diretor de futebol do São Paulo.
Mais baratos, os teens começam
a ocupar o espaço dos veteranos.
No maior campeonato do país, o
número de atletas acima dos 30 é
praticamente idêntico ao dos que
ainda não completaram 20.
Protagonistas
Dos 24 clubes do Brasileiro, 21 já
usaram serviços de menores. Em
alguns casos, eles foram utilizados
em situações de desespero e tiveram participações discretas.
Mas, depois do sucesso dos santistas Robinho e Diego no ano
passado, os garotos ganharam
status e fama de craque do time.
Aos 18 anos, Diego é o único
teen convocado por Carlos Alberto Parreira para o início das eliminatórias para a Copa-06. Isso por
ser o principal atleta do time, que
perdeu ontem o primeiro posto
no Nacional para o Cruzeiro.
No novo líder do torneio, o volante Augusto Recife foi titular absoluto em todo o primeiro turno,
quando tinha 19 anos (fez 20 no
mês passado), e seu clube brilhou
intensamente.
Para sair de anos de ostracismo,
o Inter deu camisas de titular a garotos revelados no clube. A maior
jóia da coroa gaúcha é o atacante
Nilmar, 19, que já cavou uma vaga
de titular na seleção sub-23.
Sem dinheiro e perdendo medalhões a cada semana, o Corinthians segue a mesma trilha. Hoje,
contra o Flamengo, no Maracanã,
o time vai escalar três adolescentes -o lateral Fininho, 19, e os
atacantes Jô, 16, e Wilson, 18.
"Instituímos no Corinthians o
programa "Galo que é bom nasce
cantando". Se um menino das categorias de base passa pelas seleções menores, tem direito e prioridade em nossa equipe profissional", diz o vice Roque Citadini.
Promovidos ao time principal,
os garotos mostram entusiasmo e
um certo receio. "Estava em Itaquera treinando e me avisaram
que tinha que me apresentar no
Parque São Jorge. Não acreditei.
Mas, com tantas contusões e jogadores saindo, tiveram que apelar
para nós. É um pouco cedo, mas
estou feliz", diz Jô, o mais jovem a
fazer um gol pelo time na história.
O ambiente de contratos milionários, as leis que protegem adolescentes e os direitos dos jogadores são um mistério para eles.
"Não sei nada de Estatuto da
Criança e do Adolescente. Nunca
ouvi falar disso. Acho que meu
pai e meu procurador estão a par.
Mas não tem problema, vou fazer
18 anos logo", afirma Fábio Santos, 17, lateral São Paulo.
"Não sei nada de lei. Meu pai
cuida para mim. Tenho certeza de
que está tudo em ordem", diz Jô.
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