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Crítica/"Salomé"
Osesp ressalta modernismo de Strauss
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Santa ignorância: faltavam só dois minutos para a cabeça de João Batista aparecer numa bandeja de
prata quando duas moças decidiram que já tinham ouvido o
suficiente e deixaram a sala.
Perderam a ascensão do globo
de luz, que subiu hidromecanicamente no elevador do piano,
fazendo as vezes de cabeça degolada, para confrontar Salomé. Mal tinham saído os saltos-7, e a orquestra se encaminhava
para os cromatismos mais extremos, elétrica e elasticamente dramatizados nesta versão
de concerto da ópera, que estreou sexta na Sala São Paulo,
regida por John Neschling.
"Salomé" estreou em Dresden, em 1905. Mas a produção
que entraria mesmo para os
anais da música moderna foi a
de maio de 1906, em Graz (Áustria). Foi para lá que convergiu
um contingente impressionante de grandes nomes, querendo
ouvir a novidade de Richard
Strauss (1864-1949). Estavam
na platéia Mahler, Arnold
Schoenberg, Berg e Puccini. E
também o adolescente Hitler,
que anos mais tarde nomearia o
compositor para um alto posto
do governo nazista.
Na versão da Osesp, com um
bem pensado mínimo de teatro, a grande invenção cênica é
a cisterna: o poço do piano, de
onde ribombam os sermões do
impressionante barítono norte-americano Alan Titus.
É de lá que ele surge, depois,
numa bata branca e descalço,
para resistir impassível ao assédio da enteada de Herodes.
Com seu vestido vermelho decotado, também descalça, sua
compatriota Susan B. Anthony
faz uma Salomé hollywoodiana: loira platinada, orgulhosamente frívola, devotada ao
exercício sensual de si mesma.
Não chega a convencer como
adolescente (velho problema
da ópera), mas canta com segurança e estilo um dos papéis
mais difíceis do repertório.
Herodes (Thomas Moser, da
Ópera de Viena) e Heródias (a
alemã Gabriele Schnaut) formam um casal vocalmente dramático e afetivamente insuportável. A rubrica poderia ser:
"Casal de milionários: dinheiro
demais, poder demais; e nada
mais". Nada mais, exceto as vozes, que se prestam muito bem
às perversidades da partitura.
Vieram de smoking e longo; e
Herodes, sim, convencia como
padrasto lascivo.
Foi pena o erro da luz no último momento, que revelou Salomé morta correndo para a coxia e um contra-regra recolhendo os tronos. Depois de tudo correr bem, depois de a orquestra tocar com tanta inteligência uma partitura dessas,
não deixava de ser irônico o pequeno grande tropeço humano.
Que o repertório da primeira
metade do século 20 é um ponto forte de Neschling já se sabe.
E a combinação de temas aqui
-moralidade, sexualidade, autoridade, judaísmo, modernidade- só serve de estímulo a
mais, para uma produção que
não chega a ser inesquecível,
mas não é de se esquecer.
SALOMÉ
Quando: hoje, às 21h
Onde: Sala SP (pça. Júlio Prestes,
s/nº, tel. 0/xx/11/3223-3966)
Classificação indicativa: não recomendado para menores de 8 anos
Quanto: de R$ 28 a R$ 98
Avaliação: ótimo
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