São Paulo, sábado, 02 de agosto de 2008

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DRAUZIO VARELLA

Malditos mosquitos


Quase morri por causa de um Haemagogus covarde que me transmitiu febre amarela


TENHO ÓDIO mortal dos mosquitos. Se Charles Darwin tivesse me encarregado de colocar ordem na evolução das espécies, eu teria poupado os dinossauros e varrido os mosquitos da Terra.
Não me faltam razões para tal idiossincrasia: quase morri por causa de um Haemagogus covarde que me transmitiu febre amarela sem deixar vestígio da picada.
É o animal mais perigoso. Se somarmos todos os ataques contra seres humanos já realizados por onças, leões e cobras, obteremos um número insignificante perto dos que caem de cama numa única epidemia de malária ou dengue.
Por essa razão, quando surge uma espécie nova de mosquito em qualquer país, as autoridades sanitárias se assustam.
Foi o que aconteceu num cemitério da cidade norte-americana de Memphis, em 1983, quando o entomologista Paul Reiter capturou um mosquito com estrias brancas no corpo, oriundo das florestas do leste e do sudeste asiático.
Tratava-se de um mosquito tigre (por causa das estrias), cientificamente chamado de Aedes albopictus, parente do Aedes aegipty, o agente transmissor da dengue.
Em 1986, mosquitos tigres foram capturados em São Paulo. Pouco tempo depois, já haviam se espalhado pelo país e chegado ao Paraguaia, à Argentina, à Colômbia e à América Central.
Na Europa, foram detectados pela primeira vez, em 1979, na Albânia, provavelmente importados da China. Hoje, o país mais infestado é a Itália. Identificados no porto de Gênova, em 1990, eles se disseminaram com tanta liberdade, que se tornaram um martírio para os turistas.
Da Itália, migraram para Espanha, França, Croácia, Suíça, Alemanha, e hoje ameaçam Bélgica, Holanda, Irlanda, Inglaterra e a costa da Escandinávia.
Embora na África faltem dados precisos, pelo menos Nigéria, Camarões, Nova Guiné e Gabão foram infestados. A Austrália e a Nova Zelândia também.
É provável que o mosquito tigre tenha viajado pelo mundo no interior de pneus usados que países asiáticos, como o Japão, exportam para outros com legislação menos rígida. E, que, ao desembarcar em terras novas peguem carona em caminhões de carga e automóveis de passeio, para viagens mais curtas.
Três anos atrás, ao atender chamados para combater mosquitos que atacavam jardineiros holandeses em plena luz do dia, os entomologistas identificaram outra rota de penetração em território europeu: o Bambu da Sorte, espécie ornamental importada da China.
Da mesma forma que os ovos do Aedes aegipty, os do albopictus são resistentes à desidratação. Conseguem passar um ano ou mais agarrados às paredes de um pneu seco, mesmo no inverno rigoroso, à espera da próxima chuva para eclodir e dar origem a larvas, que em cerca de uma semana estarão em condições de levantar vôo.
Ao contrário do parente causador de dengue, em que as fêmeas se alimentam exclusivamente de sangue humano, as do mosquito tigre são mais versáteis: podem picar bois, carneiros, ratos, pássaros ou répteis. Por falta de alternativa, no entanto, nas cidades a opção humana pode se tornar a mais viável.
O impacto que a presença ubíqua desse inseto poderá causar na transmissão de doenças humanas provoca debates acalorados. Existem evidências claras de que ele seja capaz de transmitir duas enfermidades com sintomas muito semelhantes: a dengue e a chicungunia, anteriormente só diagnosticada na Ásia.
As epidemias de dengue que ocorrem em locais infestados pelo Aedes aegipty tendem a ser mais graves do que aquelas causadas pelo albopictus, como foi a que atingiu apenas 122 pessoas, no Havaí, em 2001.
Já as de chicungunia são mais agressivas, como demonstram surtos mais recentes ocorridos em ilhas do Oceano Índico. Na ilha de La Réunion, por exemplo, em poucos meses um terço da população foi acometida. Na província italiana de Ravena, 200 pessoas ficaram doentes - uma das quais faleceu.
Estudos laboratoriais mostram que o albopictus pode ser infectado por mais de 20 vírus diferentes. Sua capacidade de transmitir essas viroses aos seres humanos, entretanto, dependerá do número de mosquitos presentes na área, do número de pessoas picadas e da eficiência do vírus para chegar às glândulas salivares do inseto -e delas para a corrente sangüínea do hospedeiro final.
Embora existam divergências científicas sobre o impacto do Aedes albopictus em saúde pública, num ponto todos concordam: ele veio para ficar. E infernizar.


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