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Crítica/"Cypriano e Chan-ta-lan"
"Revista" do Oficina se dilui em narcisismo e "ungüento do tempo"
Baseada em texto inédito de Luis Antônio Martinez Corrêa, encenação tem narrativa de uma puerilidade auto-indulgente
SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Comemorando 50 anos
por meio da retomada
da obra de Luis Antônio Martinez Corrêa (1950-1987), o Teatro Oficina, após
"Taniko, o Rito do Mar", propõe "Cypriano e Chan-ta-lan".
Ao contrário de "Taniko", última encenação de Luis Antônio, que buscava a contenção
por meio da fábula de Zeami e
de Brecht, o extrovertido
"Cypriano" é seu primeiro texto como dramaturgo, em parceria com a atriz Analu Prestes,
que iniciava como figurinista e
cenógrafa a carreira de artista
plástica.
O texto, inédito até hoje, conserva a excitação febril daqueles tempos, prenunciando a resistência pela alegria, o "desbunde". Em 1973, recém-lançado pelo sucesso de "O Casamento do Pequeno Burguês",
de Brecht, Luis Antônio celebrava a associação livre de temas, entre o ritual psicodélico e
alegorias do teatro de revista.
"Cypriano" pode ser considerado uma revista pessoal, permeada de piadas internas, experimentando a épica do "Teatro Musical Brasileiro", que viria a ser seu foco principal.
Unindo "Alice no País das
Maravilhas" com a rainha Mab
de Shakespeare e outros arquétipos que parecem sair de "Macunaíma", a peça narra as desventuras do príncipe Cypriano
em busca da sua amada princesa Chan-ta-lan, raptada em um
domingo de primavera. Sua
missão, como na "Flauta Mágica", de Mozart, é a de resgatar a
alegria em meio aos perigos de
um tempo de caretas e milicos,
por meio da obtenção do milagroso "ungüento do tempo".
O Oficina sempre buscou esse ungüento, ou seja, expressar
o aqui e agora do grupo e da política, seja qual for o tema do espetáculo. Aqui, falha. Apesar de
ter na manga vários arquétipos
pessoais, como a energia da auto-estima reconquistada dos
adolescentes do Bixigão, o diretor Marcelo Drummond deixa
a peça se diluir no arbitrário,
justificada apenas pelo narcisismo de seus protagonistas.
Assim, a narrativa se interrompe em parênteses intermináveis para que cada um possa
brilhar em seu monólogo, com
uma puerilidade auto-indulgente, reforçada por versos
constrangedores, como o que
exalta o "cafuné no calo do pé"
ou o fedor do quibe de Habib's.
Tratada como clássico, a
brincadeira inconseqüente de
Luis Antônio e Analu Prestes
acaba soando arrogante, menosprezando previamente todos os que não possuem os códigos privados dos clubbers
dionisíacos, que vêm trocando
seu patrono por Narciso.
Os fiéis que vão para tirar a
roupa adoram. Mas, ao ficar na
contemplação de seu umbigo, o
Oficina pode se tornar obsoleto. Sempre será bem-vinda a
revista de Luis Antônio. Mas
aos poucos, no Oficina, muito
se revê, e pouco se revista.
CYPRIANO E CHAN-TA-LAN
Quando: sábados, às 21h, e domingos,
às 19h; até 17/8
Onde: Teatro Oficina (r. Jaceguai, 520,
tel. 0/xx/11/3106-2818)
Quanto: R$ 30
Classificação indicativa: não recomendado para menores de 14 anos
Avaliação: regular
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