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"Desafio de teatro é ir além da facilidade do sórdido"
Diretor de "Fragment s", que chega hoje a SP, Peter Brook comenta influências e diz que não há liberdade de criação para os novos diretores
Chester Higgins Jr. -7.abr.2005/"New York Times"
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Peter Brook, que exibe em SP peças curtas de Beckett
LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL
Montagens inovadoras e de
grande plasticidade de textos
de William Shakespeare (1564-1616), Peter Weiss (1916-1982)
e Ted Hughes (1930-1998),
aliadas a parcerias com Laurence Olivier, Orson Welles e
Jeanne Moreau, inscreveram o
nome do inglês Peter Brook, 83,
na galeria dos grandes encenadores do século 20.
No início dos anos 70, despiu-se da pompa, fez as malas e
partiu para a França, onde estabeleceu seu Centro Internacional de Criação Teatral, centrado na busca de uma dramaturgia econômica, direta e universal. Do novo QG, saíram "Orghast" (prenúncio da veia multiculturalista que a companhia
desenvolveria) e "Mahabharata", maratona de nove horas sobre a criação do mundo segundo a tradição hindu.
Síntese do "palco nu" a que o
encenador aspira, a mais recente peça de Brook, "Fragments",
chega hoje a São Paulo com ingressos esgotados. Por um cenário minimalista desfilam
quatro peças curtas e um poema do irlandês Samuel Beckett
(1906-1989). Na entrevista a seguir, ele lembra como descobriu uma face "luminosa" deste
e tece considerações sobre o
teatro contemporâneo.
MISSÃO DO TEATRO
O desafio do teatro é ser vivo,
interessante e tocar as pessoas;
ultrapassar o nível banal que
assola o mundo inteiro, ir além
da facilidade do sórdido.
"FRAGMENTS"
"Fragments" é uma unidade,
não fragmentos; é um conjunto
em que há tanto alegria e afirmação do lado luminoso da
existência quanto verdade trágica sobre a inevitável morte. O
que fiz, com a anuência da mulher de Beckett, foi simplificar:
com isso, pudemos ir ainda
mais longe na pureza, para trazer à tona o verdadeiro Beckett.
Há sempre que reatualizar as
coisas, trazê-las para o presente, mas não pelo exterior -inserindo celulares ou ambientando a história em Bagdá para
sublinhar o lado moderno. É
preciso tirar o que nos impede
de mergulhar a fundo.
BECKETT LUMINOSO
Tenho uma imensa afeição por
Beckett desde os anos 60. Não
me interessava em montar estas peças curtas porque buscava outras coisas na direção teatral e não via interesse em me
submeter à disciplina aterradora de um Beckett. Tudo mudou
quando vi a peça "Dias Felizes"
nos EUA e na França. Senti que
ele saía da prisão do pessimismo, de autor sombrio. Trabalhando na minha montagem de
"Dias", percebi que Beckett via
com lucidez a que ponto as pessoas são infelizes e como boa
parte da humanidade vive numa prisão psicológica exterior
ou interior. E senti a presença
de um Beckett luminoso.
SIMPLES PARA NÃO CORRER RISCOS?
Se você for olhar todos os riscos
que já corri... se hoje sinto que é
mais correto fazer isso [buscar
a simplicidade], não posso me
importar com esses comentários. Gosto de falar antes de estrear as peças, apenas para não
decepcionar as pessoas: quando usam o meu nome, algumas
pessoas podem ter a impressão
de que vamos em direção a algo
espetacular. Digo que isso hoje
não me interessa.
INFLUÊNCIAS
Aquele que não aceita influências é burro e pretensioso. Estamos envoltos em influências
e criamos algumas. Dizer que
isto é minha idéia, esta é a minha assinatura é nojento. Por
outro lado, acho que tudo o que
dizemos na teoria sobre o teatro não tem valor algum se não
é [dito] após um longo período
de descoberta pessoal por meio
de experiências. Sou contra os
professores que ensinam o teatro por diagramas, flechas e
teorias sociológicas. Os pobres
estudantes começam a estudar
o teatro pelas idéias; só depois
colocam-nas em prática.
CENA CONTEMPORÂNEA
Por ter seguido um determinado caminho há 30, 40 anos, vejo
que hoje tenho uma liberdade
que, infelizmente, não existe
para a grande maioria dos encenadores, pois a pressão econômica é tamanha que o diretor
deve buscar fazer sucessos, coisas extraordinárias. Não há
mais espaço para esforços que
sejam parcialmente bem-sucedidos. É preciso emplacar
100%. Isso cria gente muito brilhante, mas que sofre a cada vez
a pressão de estourar. Nunca
aceitei essa pressão.
MULTICULTURALISMO E CRÍTICAS
Hoje, na Inglaterra e na França,
há muitos grupos com atores de
raças diferentes, totalmente integrados às trupes. Acho que o
Centro Internacional de Criação Teatral influenciou de certa maneira nisso. O teatro é um
lugar onde, apesar de todas as
divisões, discussões e ódios, as
pessoas de raças, culturas e religiões diferentes podem trabalhar tranqüilamente juntas para um projeto específico. Tudo
o que se diz [a respeito de um
suposto viés perverso do multiculturalismo, que banalizaria
costumes de países subdesenvolvidos ao se apropriar deles]
é um sentimento de intelectuais se masturbando por nada.
REGRESSO AO ARTESANAL
Nos anos 60, havia um movimento de esquerda que dizia
que o teatro era elitista. Começaram então a surgir espetáculos encenados para 2.000,
3.000 pessoas. Hoje, é preciso
reconhecer: por causa do cinema, da televisão e da internet, o
elitismo cultural não mais existe. Tudo é acessível via iPod, internet. Isso permite ao teatro
reencontrar sua verdadeira natureza, que não é elitista, mas é
pequena, circunscrita. Podemos reencontrar o artesanato.
FRAGMENTS
Quando: estréia hoje; qui., sex. e
sáb., às 21h; dom., às 19h30
Onde: teatro do Sesc Santana (av. Luiz
Dumont Vilares, 579, São Paulo, tel.
0/xx/11/2971-8700); 14 anos
Quanto: de R$ 7,50 a R$ 30 (esgotado)
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