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6ª Flip
Schwarz explica a redenção de Capitu
Crítico abre evento contando como Bentinho passou de herói traído a símbolo do atraso nas análises de "Dom Casmurro"
Para especialista na obra de Machado de Assis, romance sofreu com interpretações incorretas e foi recuperado apenas a partir dos anos 60
EDUARDO SIMÕES
MARCOS STRECKER
ENVIADOS ESPECIAIS A PARATY
O crítico literário Roberto
Schwarz começou sua conferência em homenagem a Machado de Assis (1839-1908), ontem à noite, na abertura da sexta edição da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty),
lendo o primeiro capítulo do
romance "Dom Casmurro",
uma das principais obras do escritor.
Em uma exposição clara e didática, Schwarz traçou a evolução cronológica da crítica à
obra de Machado. Esta teria começado com uma visão de Bentinho como símbolo do ideal
conciliador da sociedade brasileira, até se transformar, atualmente, em representante do
patriarcalismo impregnado pela escravidão, aquele que "não
tolera o pobre [Capitu] de cabeça erguida".
Participaram da abertura do
evento -que prossegue até domingo- o arquiteto Mauro
Munhoz, diretor da associação
Casa Azul, que apresentou o
novo diretor de programação,
Flávio Moura. A editora britânica Liz Calder, uma das idealizadoras da Flip, apareceu antes
do show de Luiz Melodia, que
fechou a noite.
O mediador Hélio de Seixas
Guimarães disse que havia uma
crítica machadiana antes de
Schwarz e outra depois. E citou
estudos clássicos do crítico, como "Ao Vencedor, as Batatas",
"Um Mestre na Periferia do Capitalismo" e "Duas Meninas".
"Cegueira histórica"
Schwarz seguiu sua explanação partindo da crítica de Alfredo Pujol (1865-1930), em 1917,
que ele reputou como representante de uma "cegueira histórica" que perdurou por 50
anos e que hoje parece uma
"leitura ingênua".
Para Schwarz, a virada começou nos anos 60 com a americana Helen Caldwell, que, influenciada pelo "new criticism", inverteu a interpretação
de "Dom Casmurro" em seu livro "The Brazilian Othello of
Machado de Assis" (o Otelo
brasileiro de Machado de Assis), no qual ela analisou a obra
do ponto de vista de um narrador não confiável, numa comparação com a peça clássica de
Shakespeare.
O crítico fez ainda um paralelo entre Machado e Henry James (1843-1916), cuja obra provocou uma mudança de paradigmas da crítica literária, diferentemente do que aconteceu
no Brasil.
Depois de Caldwell, Schwarz
destacou, nos anos 70, o livro
"A Retórica da Verossimilhança", do crítico Silviano Santiago, que apontou o personagem
Bentinho como representante
de "uma elite de padres e bacharéis que sufoca o Brasil". A
partir daí, a obra de Machado
passou a ser compreendida como crítica social.
Uma década depois, segundo
Schwarz, John Gledson teria
completado o percurso de uma
perspectiva realista, em que
Bentinho é visto como uma figura do patriarcalismo. Capitu
passa a ser entendida como
quem sabe usar a razão, substituindo a visão de que era ingrata e dissimulada.
"A contribuição de Gledson é
considerável", exaltou
Schwarz.
Desde então, trata-se, nas
análises do romance, do problema do paternalismo no
mundo moderno, das elites
marcadas pela escravidão.
"Dom Casmurro" passou, por
fim, a ser interpretado como
uma "extraordinária metáfora
histórica".
José de Alencar
Terminada a exposição, o
mediador e a platéia fizeram
perguntas sobre diferentes aspectos da obra de Machado, e
Schwarz foi instigado a avaliar
a importância de José Alencar
(1829-1877) para Machado.
O autor de "Dom Casmurro"
teria reconhecido a importância de Alencar na formação da
literatura brasileira.
"Mas Machado passa a limpo
Alencar, mostra que ele é um
bocó e prova que pode expor a
realidade de maneira mais clara", disse Schwarz, fazendo
comparações entre "Lucíola" e
"A Pata da Gazela", de Alencar,
com "Memórias Póstumas de
Brás Cubas", de Machado.
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