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"O escritor tem a obrigação de ser hermafrodita", diz Inês Pedrosa
Portuguesa condena "literatura feminina" e lança livro ambientado no Brasil
EDUARDO SIMÕES
ENVIADO ESPECIAL A PARATY
A escritora portuguesa Inês
Pedrosa, que participa hoje, às
19h, da mesa "Sexo, Mentiras e
Videotape", já tem na ponta da
língua sua crítica ao conceito de
literatura feminina, tema que
debaterá com a brasileira Cíntia Moscovich e a inglesa Zoë
Heller. Pedrosa ressalta que,
embora seja feminista, ela não
escreve apenas para mulheres.
"Não ouço falar na literatura
masculina. Não acredito nessa
coisa da literatura das mulheres, dos negros, dos judeus, das
pessoas com deficiência etc. A
literatura se divide entre boa e
má. O escritor tem a obrigação
de ser hermafrodita", diz ela.
Para Pedrosa, a divisão cria
guetos.
"Em congressos internacionais, há uma sala maior onde
estão os homens a discutir o estudo e as grandes questões da
literatura contemporânea. E as
mulheres a discutir se são femininas ou não. Acho uma discussão meio ridícula", diz Pedrosa.
Antônio Vieira
A escritora lança na Flip o romance "A Eternidade e o Desejo" (Alfaguara/Objetiva), produto de uma viagem de apenas
15 dias ao Brasil, em 2005, por
Salvador, Recife, Olinda, Belém, São Luís e outros lugares
por onde o padre Antônio Vieira havia passado no país.
"Era uma profusão de informações, de museus e cidades
diferentes, tanta coisa ao mesmo tempo, que eu pensei "o que
me restaria disso se eu fosse cega?". De repente surgiu a idéia
dessa mulher portuguesa, cega,
que vem ao Brasil da cor e do
barroco, e o apreende de uma
outra forma", diz Pedrosa, cuja
personagem Clara volta a Salvador anos após ter perdido a
visão em um tiroteio durante
um encontro com o amante.
O livro alterna ficção com
trechos dos sermões de Vieira.
Ela se diz surpresa de ter encontrado um texto sobre o desejo entre os sermões de um
padre, até onde ela sabe, sem
vida erótica ou amorosa.
"É um sermão sobre os desejos da Virgem Maria quando ela
está grávida. Mas que extravasa
essa dimensão, porque tudo
que ele diz se aplica a todas as
espécies de desejo", afirma.
A escritora sugere que buscar
uma forma de tratar o sexo nas
letras é algo mais interessante e
contemporâneo do que a idéia
de uma literatura feminina,
pois há uma nova vivência do
sexo e cabe aos escritores inovarem sua representação. "E aí
é a única área onde se pode falar de gênero na literatura, pois
as mulheres ainda são censuradas quando escrevem sobre sexo com ousadia."
Pedrosa é contrária ao acordo ortográfico recém-aprovado
por Portugal e outros países de
língua portuguesa. "É um falso
acordo. Não é por causa da grafia que deixamos de nos entender", avalia ela.
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