São Paulo, quinta-feira, 04 de fevereiro de 2010

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Comer com os olhos

Paulo Pampolin/Hype/Folha Imagem
Spot Al.Min. Rocha Azevedo,72, Cerqueira César,tel.0/xx/11/3284-6131

XICO SÁ
COLUNISTA DA FOLHA

Em alguns restaurantes, o bom é comer mais com os olhos do que com a boca. Esqueça o menu. O canibalismo platônico começa pelas garçonetes e pelos garçons, para quem gosta do gênero.
Não que a comida seja fraca, nada disso, se há comida já é uma dádiva, uma bênção, como dizia minha santa madre. É que a graça é embaralhar mesmo os sentidos. Bom esquecer o palato e o fetiche gastronômico e apurar os instintos dos nossos parentes tupinambás.
As mesas coladas, com um sofazão vermelho inteiriço, facilitam ainda mais o banquete. Ouvir as confissões da vizinha, uma loira nórdica com um tomara que caia em vermelho e negro, leva qualquer libido ao micro-ondas do Casanova.
Na mesa do lado esquerdo, o homem que calculava: ele divide, centavo a centavo, até as borbulhas do prosecco que ingeriu com a dama. Certo que não lograra êxito no massivo ataque à bela advogada criminalista, mas, pô, paga a conta, seja cavalheiro.
À direita, um casal que tentou fugir do tédio do lar e caiu nas profundezas de uma D.R. iraniana -discussão de relação lenta, elíptica e interminável. Ainda com intervalos lá fora para o cigarro, o que me fez perder de vez o enredo. Que lei mais anticlímax.
Testemunhar a comédia humana -e quem não gosta?- é outra grande vantagem das mesinhas coladas. Você não carece largar o filé de truta para fazer a girafa e alcançar a vida alheia nos seus diálogos, chistes e atos falhos mais banais.
No jantar de domingo, o caso da minha visita ao Spot, o pós-cinema é a pauta do sofazão comunitário. A modelo atrás do seu mix de folhas discute "Avatar", o moço milionário baba diante das observações inteligentes da gazela. A vida é em 3D, mas somente alguns têm direito aos óculos na entrada, penso, triste solitário, no momento em que um pistache da salada da moça cai deliciosamente no meu colo.
Trilha sonora: "Je T'Aime Moi Non Plus", a canção de motel com Jane Birkin e Serge Gainsbourg. Quem vai pensar em comer a essa altura? A badalação é a moral do aquário humano que enfeita os arredores da Paulista. No princípio, o verbo é o mesmo da comédia da fama. Ver e ser visto.
Para um maldiagramado como este cronista, é sempre uma grande vantagem: você leva a feiura para passear e comer fora e usufrui da companhia, mesmo que involuntária, das mais belas garçonetes e comensais. Pena que o Peréio, o ator, um dos apreciadores do ambiente, não compareceu a essa noite.


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