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Comer com os olhos
Paulo Pampolin/Hype/Folha Imagem
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Spot Al.Min. Rocha Azevedo,72, Cerqueira César,tel.0/xx/11/3284-6131
XICO SÁ
COLUNISTA DA FOLHA
Em alguns restaurantes, o
bom é comer mais com os
olhos do que com a boca. Esqueça o menu. O canibalismo platônico começa pelas garçonetes e pelos garçons, para quem gosta do
gênero.
Não que a comida seja fraca, nada disso, se há comida
já é uma dádiva, uma bênção, como dizia minha santa
madre. É que a graça é embaralhar mesmo os sentidos.
Bom esquecer o palato e o
fetiche gastronômico e apurar os instintos dos nossos
parentes tupinambás.
As mesas coladas, com um
sofazão vermelho inteiriço,
facilitam ainda mais o banquete. Ouvir as confissões
da vizinha, uma loira nórdica com um tomara que
caia em vermelho e negro,
leva qualquer libido ao
micro-ondas do Casanova.
Na mesa do lado esquerdo,
o homem que calculava: ele
divide, centavo a centavo,
até as borbulhas do prosecco
que ingeriu com a dama.
Certo que não lograra êxito
no massivo ataque à bela advogada criminalista, mas, pô,
paga a conta, seja cavalheiro.
À direita, um casal que
tentou fugir do tédio do lar e
caiu nas profundezas de
uma D.R. iraniana -discussão de relação lenta, elíptica
e interminável. Ainda com
intervalos lá fora para o cigarro, o que me fez perder de
vez o enredo. Que lei mais
anticlímax.
Testemunhar a comédia
humana -e quem não gosta?- é outra grande vantagem das mesinhas coladas. Você não carece largar
o filé de truta para fazer a girafa e alcançar a vida alheia
nos seus diálogos, chistes e
atos falhos mais banais.
No jantar de domingo, o
caso da minha visita ao Spot,
o pós-cinema é a pauta do
sofazão comunitário. A modelo atrás do seu mix de folhas discute "Avatar", o moço milionário baba diante
das observações inteligentes
da gazela. A vida é em 3D,
mas somente alguns têm direito aos óculos na entrada,
penso, triste solitário, no
momento em que um pistache da salada da moça cai deliciosamente no meu colo.
Trilha sonora: "Je T'Aime
Moi Non Plus", a canção de
motel com Jane Birkin e
Serge Gainsbourg. Quem vai
pensar em comer a essa altura? A badalação é a moral do
aquário humano que enfeita
os arredores da Paulista. No
princípio, o verbo é o mesmo
da comédia da fama. Ver e
ser visto.
Para um maldiagramado
como este cronista, é sempre uma grande vantagem:
você leva a feiura para passear e comer fora e usufrui
da companhia, mesmo que
involuntária, das mais belas
garçonetes e comensais. Pena que o Peréio, o ator, um
dos apreciadores do ambiente, não compareceu a essa
noite.
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