São Paulo, domingo, 06 de junho de 2004

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TELEVISÃO

Ex-funcionários, figurantes e sites de fãs criam "máfia" de vazamento de informações sobre as tramas dos seriados populares

Andrew Eccles/Associated Press
O elenco da série cômica "Friends", que chega ao final no Brasil em 6 de julho e teve tramas "vazadas" nos EUA


Rede de fofocas estraga surpresa em séries

EMILY NUSSBAUM
DO "NEW YORK TIMES"

Em fevereiro passado, os fãs de "Survivor: All-Stars", uma competição entre os campeões das edições passadas do "reality show" "Survivor", tiveram uma surpresa não muito agradável.
A série estreou após a final do Super Bowl e, em alguns minutos, assim que o primeiro competidor foi expulso, um enxerido anônimo postou uma imensa mensagem no site de entretenimento Ain't It Cool News, com uma lista detalhada de todas as reviravoltas na trama. Algumas pessoas que procuraram o texto deliberadamente se arrependeram depois de tê-lo lido. Que graça tem assistir a alguma coisa se você já sabe tudo o que vai acontecer?
Com cada vez mais informações de bastidores flutuando pelas colunas de fofoca, fóruns de discussão on-line e revistas, agora é possível descobrir o que vai acontecer a um personagem favorito com meses de antecedência.
Os vazamentos de informação estão alterando de maneira fundamental a natureza dos seriados de televisão. Os programas começam a se parecer cada vez mais com livros: se você quer saber como termina, basta olhar a última página. As séries mais populares -como "24 Horas", "Alias", "The O.C.", "Friends", "Frasier" e "The Apprentice"- foram todas vítimas de uma seqüência constante de vazamentos.
"Eles me bateram e levaram meu dinheiro do lanche", reclama Josh Whedon, cujas produções como "Buffy, a Caça-Vampiros" e "Angel" há muito vêm sendo afetadas pelos estraga surpresas. "Luto contra eles há anos e tentei novamente neste ano. Mas fui derrotado. Quis manter em segredo algumas coisas, mas cometi um erro crucial: filmei com figurantes", afirmou. Assim que saem do estúdio, nada pode impedir que contem o que viram.
Para Whedon, a morte da surpresa na televisão é o final do que ele define como "uma emoção sagrada". A surpresa, argumenta, "nos torna humildes. Mostra que se pode estar errado". J.J. Abrams, criador e produtor-executivo de "Alias", expressa mistura semelhante de pesar e resignação. "Por um lado, é irritante que os segredos escapem. Por outro, nós precisamos dos fãs. Se não trabalhasse onde trabalho, também teria vontade de saber."
Nos dois últimos anos, as informações que estragam os mistérios vêm chegando cada vez mais rapidamente aos jornais e revistas. Mas seu surgimento está diretamente vinculado às animadas e muitas vezes rancorosas comunidades on-line de telespectadores, que congregam fãs devotados para debater sobre os programas de televisão que amam. Em sites como o Ain't It Cool News e o E! Online, colunistas publicam segredos a cada semana, recebidos de um verdadeiro exército de informantes anônimos que se comunicam por e-mail.
Eles dependem de uma rede de fontes secretas. Kirsten Veitch, colunista do E! Online, explica que "conhecimento é poder. Se você é um assistente insignificante, pode se transformar em fonte importante para o mercado de estragar surpresas".
Algumas fontes são funcionários insatisfeitos ("os demitidos são muito perigosos", diz Whedon). Mas a maioria dos que distribuem as informações são fãs dedicados, ou trabalhando para produtoras de televisão ou em contato via e-mail com funcionários dessas empresas.
Os criadores de programas respondem de diferentes maneiras: alguns combatem a fofoca, outros a aproveitam como publicidade. Por trás das cenas em programas de ação como "Angel", os arquivos de computador são cifrados sob senhas especiais. Em "24 Horas", o roteiro final é impresso em papel vermelho para dificultar que sejam feitas fotocópias.
Outros criadores de programas de TV simplesmente desistiram. Os produtores de "Friends", que chega ao final em 6 de julho no Brasil, já declararam em público que não fazem esforço especial para impedir a ação dos estraga-surpresas. E muitos criadores agem como se a Máfia estivesse envolvida: pagam proteção, permitindo que os colunistas recebam informações menos importantes, a fim de impedi-los de revelar os segredos mais suculentos.
Esse jogo constante de espionagem já gerou um novo desdobramento: falsas informações divulgadas a fim de iludir os fãs. O caso mais famoso aconteceu durante a primeira temporada de "Survivor", quando fãs invadiram o site da CBS e descobriram uma foto de Gervase Peterson como único sobrevivente sem um xis marcado sobre o rosto. Era uma falsa pista visual plantada pelos produtores. No final, quem ganhou a competição foi Richard Hatch.
Alguns fãs argumentam que saber o que acontecerá a seguir na verdade aprofunda a emoção de assistir aos programas. Com os segredos revelados de antemão, o telespectador pode ver TV com distanciamento, analisando como um crítico, em lugar de se sentir imerso, como um novato.
Muitos sites permitem mensagens revelando surpresas apenas em áreas especialmente reservadas. Os participantes se apóiam mutuamente no esforço de escapar às informações antecipadas como numa espécie de Alcoólatras Anônimos para pessoas que não querem descobrir com antecedência o que vai acontecer. "Precisamos uns dos outros mais que nunca", diz uma mensagem no fórum RossandRachel.com, sobre "Friends". Alguns colunistas também têm limitado os assuntos que revelam.
Kristen Baldwin, editora sênior da "Entertainment Weekly", diz que "a forma de ver TV sob a qual tudo é uma surpresa completa, pura e inocente a cada semana está provavelmente morta". Há informantes demais à solta e, mesmo que alguns mantenham o silêncio, sempre haverá quem fale.


Tradução Paulo Migliacci


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