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Crítica/"História do Pranto"
Estilo vertiginoso compromete boa trama
NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
A
não ser nos casos evidentes de metalinguagem, de crítica sobre si
mesma, é de se esperar que a
linguagem narrativa mantenha
alguma organicidade com o que
trata, evitando simplesmente a
vertigem do "belo", afirmando-se incessantemente como estilo. Ou, se for para ser belo, que
seja necessário.
Infelizmente, não é o caso do
mais recente romance (ou novela) de Alan Pauls, "História
do Pranto", cuja linguagem é
bela, mas não necessariamente.
As palavras, as frases, as
construções sintáticas engolem
a narrativa, chamando continuamente a atenção sobre si
mesmas e desfocando a atenção do objeto abordado. Muitas
vezes, tem-se a impressão de
que estamos mais diante de um
certo malabarismo verbal do
que diante de um trabalho ficcional elaborado.
A novela traz a história de um
garoto criado durante a década
de 70, na Argentina, por pais separados e aparentemente liberais. O tempo narrativo vai e
volta de forma labiríntica e eficaz, levando o leitor por várias
épocas na vida do garoto, inclusive a um show de um cantor de
protesto, recentemente anistiado, no qual enfim ele descobre a origem de seus conflitos:
diante do pai, ele se sente coagido a sofrer, a usar a dor como
linguagem e a chorar, coisa que
não consegue fazer em nenhuma outra situação.
E as situações são muitas: a
queda de Allende e a dificuldade do personagem em chorar,
apesar da militância comunista; a separação de uma namorada chilena de família conservadora; o seu ódio pela mãe depressiva, que o abandona nas
mãos de um suposto vizinho
militar, e a sua euforia em esperar pelo jornal mensal "La Causa Peronista".
A crítica ao monopólio e ao
uso da dor como moeda, pela
geração perseguida pela ditadura militar, que insiste em
criar seus filhos calcando-os no
medo e na culpa, é um tema forte, movediço, e o romance cria
passagens comoventes e uma
trama bem arquitetada de
acontecimentos. Da mesma
maneira, não há como negar
que estamos diante de um estilista habilidoso.
Mas o que falta é justamente
a marca de dependência entre a
língua e o assunto. A que serve a
hipnose vertiginosa das frases?
A que serve o excesso de intervenções parentéticas?
Método da boa frase
A dor como conflito (a história do pranto) fica escondida
por trás de uma espécie de onipresente método da boa frase.
"A dor é sua educação e sua fé.
A dor o torna crente", mas não
conseguimos compartilhar de
suas dificuldades, perdidos que
ficamos em um misto de labirintos sintáticos, um final inesperado e estranhamente patético e uma ironia descolada do
apelo à identificação com a dor
do personagem e como linguagem (o narrador ironiza o desejo que o pai tem de que o menino "se expresse", ironiza "o
próximo", "o pranto", o desejo
de "compartilhar").
Sinais múltiplos e centrífugos que fragmentam a narrativa em vários pedaços: quase todos belos, mas, em boa medida,
em vão. Se concordarmos com
Baudelaire, que disse que "o belo é um combate em que o artista grita de pavor antes de ser
vencido", faltam aqui o combate e o pavor, pois a beleza impera solitária.
HISTÓRIA DO PRANTO
Autor: Alan Pauls
Tradução: Josely Vianna Baptista
Editora: Cosac Naify
Quanto: R$ 29 (88 págs.)
Avaliação: regular
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