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DEPOIMENTO
O que tenho visto no Brasil é de dar medo
GERALD THOMAS
ESPECIAL PARA A FOLHA
Quando eu perambulava pelo La MaMa, nos anos
80, dando workshops sobre o teatro da hesitação e
sobre um novo fluxo de
pensamento, me deparei
com várias intervenções
do NYFD (New York Fire
Department). Estávamos
no prédio de ensaios, um
quarteirão atrás do teatro,
no East Village. Na frente
desse edifício, há uma estação de bombeiros. Tudo
que eles tinham que fazer
era entrar, tirar o cigarro
de nossas bocas e dizer:
"Aqui não se pode fumar!".
Anos depois, nos palcos
europeus, a multa falou
mais alto. A cada cigarro
aceso, marcos alemães ou
schillings austríacos ou libras inglesas eram descontadas do meu salário,
mas eu só ficava sabendo
ao receber o cheque na
véspera da estréia.
Fora um incidente com
Fernanda Montenegro
(aliás, dois), no complexo
Kampnagel Fabrik em
Hamburgo, em 1992, não
lembro de ter sentido medo ou vergonha de encenar um espetáculo. Com a
minha ex-sogra foi o seguinte: "Flash and Crash
Days" estava em cartaz em
uma das várias salas da ex-fábrica. Não havia banheiro perto. Disse ao diretor
artístico: "Essa é a maior
atriz de todos os tempos e
não abro a cortina se não
houver uma forma de banheiro portátil".
Depois de muito escândalo, provindenciou-se algo com um balde. A própria Fernandona insistiu e
abrimos o pano.
Palco do lado. No mesmo complexo, Sir Fernandona foi assistir ao ensaio
da minha desastrosa
"Saints and Clowns". O
banco em que se sentou
"colapsou" com ela. Só notamos depois do ensaio. E
a levamos ao hospital.
Não são exatamente
eventos que colocam em
risco de vida um teatro.
São problemas sanitários
ou de gerência. O que tenho visto e vivido no Brasil
nos últimos 25 anos é de
dar medo ou querer fugir:
desde o meu ex-assistente
de iluminação quase morrer por bater com a cabeça
num pedaço de ferro não-sinalizado no urdimento,
até ratos enormes que corroem os multicabos de luz
ou de som. Não há aterramento devido entre ambos. Os teatros do Rio
(João Caetano e Villa Lobos, por exemplo) são os
piores do mundo. Nós
brincamos, irresponsavelmente, dizendo que eles
fazem "plantação" de brie
e camembert nas poltronas, de tanto mofo.
O que tenho visto de
rack de luz esquentando,
de excesso de refletor por
canal, de falta de grade na
frente da lente, varas grudadas rentes demais, contra-pesadas com cordas
quase no ponto de arrebentarem! Os bêbados de
costume que nos dizem
adeus e fecham o teatro...
Não sei se por milagre
ou desgraça o Cultura Artística e outros teatros não
foram pra fogueira das
meias verdades antes.
Mas se querem uma resposta, perguntem pro Paulão, chefe de palco do Sesc
Paulo Autran. É a ele que
eu me rendo. Ele sabe que
nenhuma medida é pouca
quando se trata de uma
mega-estrutura que pode
desaparecer num abrir e
fechar de olhos -ou num
subir e descer de pano.
GERALD THOMAS é autor e diretor
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