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As meninas
Caco Galhardo transporta ao livro suas musas fictícias; cartuns são "ilustrados" por textos de Marcelo Mirisola
ALEXANDRE MATIAS
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Quando em Porto Alegre, semana passada, velho compadre lançou empírica teoria, em pleno
templo maurício da noite gaúcha:
em lugar que só tem mulher de
cabelo comprido, pode reparar, o
som é ruim. Tal conclusão pode
parecer crua e generalista (talvez
seja), mas é apenas um dos inúmeros reflexos da padronização
feminina que estes tempos de beleza comprada achatam na fórmula salto-saia-corrente-na-cintura-top-cabelão.
Por isso, celebre-se a publicação
de "O Banquete", parceria inusitada entre o cartunista Caco Galhardo, autor da tira "Os Pescoçudos", que é publicada na Folha, e
o escritor Marcelo Mirisola, aclamado por livros como "O Herói
Devolvido" e "O Azul do Filho
Morto".
Composto como uma coletânea
das "gostosas" (como o autor prefere referir-se, sem eufemismos
melectrossexuais) que Galhardo
publica em seu site, o livro conta
com pequenos históricos das musas fictícias, descritos por Mirisola
numa colcha de retalhos da baixa
literatura das bancas de jornal,
misto da idealização distante de
folhetins do tipo "Sabrina" e a tônica de sonho sujo dos fóruns de
cartas de revistas masculinas.
Nada do ataque dos (sili)clones
da nova boazuda da novela das oito, aqui se mira em mulheres de
verdade.
"Curto desenhar mulheres desde os 15 anos, e comecei a desenhar algumas pin ups nas tirinhas
da Folha, quando não pintava nenhuma idéia que prestasse", explica Galhardo. "Quando criei o
meu site (www.uol.com.br/cacogalhardo/), resolvi que ali era
o lugar certo para desenhar as
mulheres, então botei o link "Gostosas do Mês", onde publico regularmente três minas por semana."
O cartunista explica a transição
do site para o livro: "Quando tive
a idéia do livro, foi o único nome
que me veio à cabeça. Um amigo
já tinha me contado que o Mirisola curtia meus quadrinhos, então
parecia que as coisas rumavam
para o mesmo caminho. A [editora] Isabella Marcatti, que conhecia os dois, fez a ponte e marcou
um encontro. Só aí o conheci pessoalmente. De vez em quando a
gente marca de comer pizza de calabresa e tomar vinho no Bexiga".
Mirisola comenta a idealização
das personagens, anônimas o suficiente para receberem nomes
genéricos: "Sem idealizar não tem
graça. O ponto de encontro é a
quebrada de cara. Tanto das minas do Caco como do narrador
que inventei. No texto -às vezes- levo vantagem".
No "Banquete", nada dos seinfeldismos dos cartuns práticos de
Galhardo ou a purulência da realidade rodrigueana de Mirisola.
Assistimos a um desfile de meninas casuais com cara de descaso,
gatas de ponto de ônibus e libidos
secretamente reveladas por garotas que, do jeito que estão, ultrapassam rótulos como cool ou brega. Há um erotismo grosseiro em
cada texto, em cada olhar e não-olhar, daqueles que funcionam
como elogio quando ditos no
contexto certo. "O Banquete"
funciona como o calendário de
uma borracharia puramente sensorial, onde carros, graxa, mecânicos e fluidos de freio desaparecem à simples visão daquele pôster de pornografia sincera, aquela
rudeza feminina que ornava a revista "Sexy" antes de sua recente
reformulação editorial.
"Intimidade"
Mas as gostosas de Galhardo
não são apenas reedições de musas do estreito imaginário da publicidade. Refletindo o proverbial
molho da vida que associamos à
variedade, nos encontramos como qualquer ser humano do sexo
masculino andando em uma calçada cheia de gente pescando, no
meio da turba, divas disfarçadas
pela pressa, musas atrás de balcões e amores fugazes nas janelas
dos carros. "O Banquete" ("Platão
não encontraria título melhor", ri
Marcelo) não despe apenas as
roupas dos alvos desenhados,
mas seus medos, preconceitos, inseguranças e arrogâncias.
"A palavra "intimidade" é a mais
obscena do léxico, repugnante no
plural, "nossas intimidades", e inverossímil em qualquer situação,
seja morfológica, atmosférica ou
erótica", Mirisola descreve "Dina", que chama de "meu Abaporu". "Será que já não bastava nosso amor?", conclui, sem concluir.
Perguntado sobre parcerias
com outros escritores, Galhardo
responde que colaboraria "com
qualquer bom escritor, mas tem
que pintar algum projeto que dê a
liga", como foi o caso do "Banquete". "Uma das coisas legais
desse livro é que a gente inverteu
o processo. Geralmente o desenhista, ou ilustrador, é que ilustra
o texto do escritor, mas nesse caso
foi o escritor que "ilustrou" os desenhos com seu texto."
Galhardo, ao responder sobre
algum autor que gostaria de trabalhar, dispara na lata: "Paulo
Coelho". Mirisola arrisca um possível parceiro: "Talvez o Laerte".
O BANQUETE. Autores: Caco Galhardo
(ilustração) e Marcelo Mirisola (texto).
Editora: Barracuda. Quanto:R$ 29 (80
págs.).
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