São Paulo, quinta-feira, 08 de setembro de 2011

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CRÍTICA DRAMA

"Cartas de Amor para Stálin" revela a neurose do artista

LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

O teatro e a possessão. "Cartas de Amor para Stálin", encenação da Cia. BR116 de peça do espanhol Juan Mayorga, apresenta com argúcia e beleza uma tese polêmica: artistas levam consigo o demônio de seus perseguidores.
O autor elegeu o caso do escritor russo Mikhail Bulgákov (1891-1940) com o regime soviético como base de sua trama. Nos anos 1930, Bulgákov escreveu cartas para Joseph Stálin, reclamando ao líder supremo que sua obra estava sendo censurada. O ditador lhe teria respondido com um telefonema.
Mayorga parte desse suposto fato histórico para explorar a possibilidade de que a chamada de Stálin tenha precipitado o escritor numa fabulação obsessiva.
Assim, mais do que um texto sobre a opressão dos artistas na União Soviética do período stalinista, explora os delírios que algum deles pode ter sofrido ao se deixar seduzir por seu algoz.
O espetáculo, dirigido por Paulo Dourado, serve-se da interpretação virtuosística de Bete Coelho. No início, como a mulher de Bulgákov, finge ser o ditador para estabelecer um diálogo lúdico com o marido. Aos poucos, a simulação vai se tornando mais fantasmagórica, até que a atriz, aliando técnica e talento, transforma-se num demônio.
A direção de Dourado serve-se de uma dublê para sustentar uma versão inalterada da personagem e ressaltar que a possessão só está ocorrendo na imaginação do marido. O tema dominante, da neurose do artista, se expressa no corpo da protagonista.
A temática contamina também a curva dramática, que passa a patinar, e propaga-se pelo espaço cênico: na cenografia de Flávia Soares, a revelar uma versão mofada e em sépia das vanguardas artísticas combatidas por Stálin, nas imagens do ditador e de execuções sumárias de seus opositores e na iluminação de Wagner Freire.
Com "Cartas de Amor para Stálin", essa jovem companhia de veteranos realiza seu trabalho mais belo até agora e torna conhecido no país um dramaturgo que não trai a formação de filósofo.
Em sua hipótese, o artista pode criar em si um carrasco.

CARTAS DE AMOR PARA STÁLIN
QUANDO sex. e sáb., às 21h; e dom., às 18h; até 18/9
ONDE Sesc Santana (av. Luiz Dumont Villares, 579, tel. 0/xx/11/2971-8700)
QUANTO de R$ 5 a R$ 20
CLASSIFICAÇÃO 14 anos
AVALIAÇÃO ótimo


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