São Paulo, sábado, 09 de agosto de 2008 |
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RODAPÉ LITERÁRIO Vertigens da analogia
MANUEL DA COSTA PINTO COLUNISTA DA FOLHA SE NO núcleo duro da poesia concreta estão Décio Pignatari e os irmãos Haroldo e Augusto de Campos -cujo empenho teórico fixou o lugar do movimento em nossa literatura-, a história dessa tendência de vanguarda não pode prescindir de nomes que dela participaram ativamente ou que mantinham afinidades estéticas com o grupo. São poetas como Pedro Xisto, Edgar Braga, Ronaldo Azeredo e, sobretudo, José Lino Grünewald (1931-2000) -cuja obra está reunida no volume "Escreviver", reedição ampliada, com uma série de inéditos, da compilação original de 1987. Dentre os citados acima, sem dúvida Azeredo e Grünewald são aqueles que se mantiveram mais próximos do projeto original. Por ocasião da morte deste último, Augusto de Campos escreveu (em texto publicado na Folha e incluído na edição): "Zelino era mais "ortodoxo" do que nós. Permaneceu fiel à poesia concreta dos primeiros tempos". A leitura de "Escreviver" permite ampliar esse diagnóstico. De fato, alguns poemas visuais de Grünewald estão naquela fronteira entre palavra e design gráfico que, assinalou o crítico argentino Gonzalo Aguilar, caracteriza a primeira fase do concretismo. Ocorre que já em seu livro de 1958, "Um e Dois", José Lino Grünewald faz poemas que parecem antecipar o "salto participante" proposto por Pignatari na década de 60 (quando a situação política impôs uma poética para além da pesquisa formal pura). Um poema como "Apertar o Cinto", por exemplo, corresponde a essa preocupação. Não chega a ser concretista, mas realiza permutações fonéticas que trazem a marca do rigor e da economia formal dos concretos. Com um acréscimo: ao explorar os paralelismos entre os signos "osso", "ódio", "ópio" e "óbvio", cria um campo semântico no qual a severidade da forma serve para quebrar os clichês lingüísticos, as obviedades que nos entorpecem. Nesse sentido, ele vai ao encontro de um outro poeta que mantém afinidades com os concretos, mas que sempre dotou sua produção de viés crítico: Affonso Ávila. O escritor mineiro certa vez definiu sua produção como "poesia referencial" -e essa preocupação em dissecar as coisas aparece no poema em que Grünewald diz estar "tentando conciliar fundo e forma/ nos limites concreteudísticos". À parte o caráter participante daí decorrente, "Escreviver" traz poemas com raro poder de associar experimentação e nomeação. Em "Se o N é o Espelho do A", por exemplo, o jogo com as letras do nome Ana resulta num lirismo miraculoso, fazendo da celebração amorosa um momento daquelas "vertigens da analogia" (Valéry) pelas quais a poesia reorganiza o mundo. ESCREVIVER Autor: José Lino Grünewald Organizador: José Guilherme Correa Editora: Perspectiva Quanto: R$ 56 (272 págs.) Avaliação: ótimo
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