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Crítica/"Homem no Escuro"
Auster encara o trauma do 11/9 com sutilezas inesperadas
Atualização do mito da desaparição humana se dá, entretanto, de forma superficial
JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA
Paul Auster tem buscado
em seus dois últimos livros, "Desvarios no
Brooklyn" e "Viagens no Scriptorium", alguma renovação formal temática, procurando alternativa à exploração sem fim
de seu entrecho predileto, "homem abandona tudo misteriosamente".
Antes suspeito do esgotamento desses personagens fugidios, porém, o autor norte-americano renova agora seu
antigo interesse pelo frágil
equilíbrio da identidade em
"Homem no Escuro". Sob tal
aspecto, seu novo romance desperta incêndios na imaginação,
mas, como se lerá, tudo não
passa de fogo de palha.
Os tempos são outros (e a
exigente mercancia editorial
também), e hoje seria impensável escritores como Franz Kafka ou Marcel Proust serem acusados de repetitivos. Há até
quem defenda que a exploração
de obsessões particulares seja
característica comum entre
grandes autores.
A insistência em atualizar o
mito transcendentalista da desaparição humana na paisagem
(em cujo panteão estão Thoreau e Whitman) está no cerne
da melhor obra de Auster, e
suas preocupações com o mito
inaugural norte-americano não
são relegadas em "Homem no
Escuro"; o principal problema
é que surgem de maneira
superficial.
Realidade paralela
August Brill é um velho escritor viúvo e insone convivendo
com a filha e a neta, ambas também viúvas. É um homem devastado pela imobilidade (teve
a perna arruinada num acidente) e pelas noites em claro nas
quais, para não relembrar o
passado doloroso, imagina, noite após noite, a história de
Owen Brick, um mágico de salão que é transportado à realidade paralela de um EUA onde
não houve o 11 de Setembro e
não existe a Guerra do Iraque.
Nesse país alternativo, os EUA
estão em batalha consigo mesmo, numa segunda Guerra da
Secessão.
Brick é então incumbido de
assassinar Brill (e isto indica
que Auster não se cansou de
seus jogos onomásticos), o homem que está contando para si
mesmo a história em que tudo
isto, a guerra civil e a sua queda
pessoal -adultério, infelicidades e erros- conjugam-se à
realidade atual de forma enternecedora e -por mais fantástico que o enredo possa sugerir-
absolutamente verdadeira.
"Homem no Escuro" é, portanto, mais um romance que lida
com o trauma pós-11 de Setembro, mas com sutilezas inesperadas baseadas nas possibilidades redentoras da memória e
da imaginação. E pára aí.
Não se trata de obra-prima.
"Homem no Escuro" é um romance imperfeito, cujas linhas
narrativas não se furtam a causar descrença e alguma insatisfação (Brick e sua missão, por
exemplo, são abortados sem
muitas explicações). É, porém,
uma narrativa evocadora de
certa tradição literária baseada
na voz reparadora de um homem velho à beira da morte, assim como nos (agora sim) primorosos "Malone Morre", de
Beckett, e "Homem no Holoceno", de Max Frisch.
E quem se importa com
obras-primas em tempos de
guerra? Talvez uma bela canção seja suficiente, e é isto que
Auster faz: ele canta as dores
humanas por meio da fábula,
apesar de, em seu caso, a máquina de fabular andar um tanto emperrada.
JOCA REINERS TERRON é escritor, autor de
"Sonho Interrompido por Guilhotina" (Casa da
Palavra)
HOMEM NO ESCURO
Autor: Paul Auster
Tradução: Rubens Figueiredo
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 38,00 (165 págs.)
Avaliação: bom
NA INTERNET
www.folha.com.br/082211
leia trecho do livro
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