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Ao se sentir ultrapassado no tempo pela máquina de calcular, o montador João Paulo Carvalho acelerou a linguagem da TV
O homem que sabia TABUADA
SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL AO RIO
O homem de TV João Paulo
Carvalho, 62, percebeu que o ritmo do mundo havia mudado em
1985, ao ouvir de seu filho de 11
anos a pergunta: "Que tabuada?".
À porta da escola, o garoto havia
pedido ao pai que comprasse pilhas para sua calculadora. Carvalho sugeriu que a temporária falta
da maquininha fosse compensada com o uso da tabuada. E descobriu que seu filho desconhecia a
decoreba mental das operações
matemáticas.
O episódio serviu de lição ao
pai. "O tempo que eu perdi decorando a tabuada, ele não perdeu.
Ele achava o resultado muito mais
rápido do que eu. Isso me levou à
experiência de cortar os tempos
mortos nas cenas filmadas", diz.
Naquele ano, na qualidade de
editor da TV Globo, onde trabalhava desde 1965, Carvalho iniciava mais uma parceria com o diretor Guel Arraes, sob o nome de
"Armação Ilimitada". Empolgado com a idéia de subtrair os tempos mortos, impôs ao seriado um
formato que eliminava toda ação
dispensável à compreensão da
trama. "O cara abria a porta e, na
cena seguinte, já estava onde queria chegar. Não mostrávamos o
ator caminhando", recorda.
A aceleração do ritmo de "Armação Ilimitada" tornou-se um
ponto de inflexão na linguagem
televisiva e na carreira de Carvalho na TV, iniciada aos 22 anos de
idade, quando, num estalo, abandonou os planos de formar-se em
direito e jogou para o alto o emprego de vendedor de cotas de um
shopping em Caxias (RJ).
Cinéfilo praticante -chegou a
assistir 321 filmes num único
ano- Carvalho aceitara o convite
de um amigo para conhecer as
instalações da TV Tupi. Quando a
porta do estúdio da emissora se
abriu diante dele, teve a sensação
de que sua vida pertencia àquele
universo. Empregou-se como figurante, escalou o primeiro degrau na produção da TV Rio e foi
chamado pela Globo.
Acabou sendo escalado como
"uma espécie de assessor do assessor" da novelista Glória Magadan. A pouca atividade o fazia
sentir-se "uma inutilidade sentada numa mesa", até que o editor
da novela "Sangue e Areia"
(1967/68) adoeceu, e Carvalho foi
deslocado para a função.
Saúde restabelecida, o colega
voltou à atividade, mas confessou
a Carvalho seu desapreço por ser
editor. "Odeio isso." O antigo
ocupante do posto não o queria
de volta, e Carvalho não queria
entregá-lo. A Globo estava satisfeita com o trabalho de edição do
"assessor do assessor".
Foi o que bastou para que a carreira de Carvalho na emissora
atravessasse novelas ("Irmãos
Coragem", "Selva de Pedra",
"Dancin" Days"), seriados ("Malu
Mulher", "Plantão de Polícia"),
musicais ("Chico & Caetano"),
até chegar à pequena revolução de
"Armação Ilimitada", que se prolongou por quase quatro anos no
ar, e seu sucedâneo "TV Pirata".
Ao final desse tempo, Carvalho
pensou que, talvez, aquela velocidade toda houvesse caminhado
para um modo "facilitado" de seduzir o espectador, já que o ritmo
intenso não deixava espaço para
"muitas análises".
Sentiu-se então atraído a buscar
"o contrário da velocidade, para
ver o quanto se pode seduzir o espectador com uma coisa mais
amena, mais suave".
Os novos desafios na carreira
significaram o rompimento do
"vínculo empregatício" com a
Globo e a aproximação com o cinema do documentarista João
Moreira Salles, com quem fez o
filme para TV "América" (1989).
Como todas as opiniões de Carvalho "podem durar não mais do
que 15 minutos, já que apenas time de futebol a gente mantém para a vida toda", ele passou da
montagem de documentários
"aos filmes da Xuxa, que têm uma
série de videoclipes e uma condução ritmada, juvenil".
Era o início de outra parceria,
desta vez com o produtor cinematográfico Diler Trindade, um
adepto do cinema de resultados,
aquele feito em ritmo industrial e
que almeja o grande público.
Somente neste ano, Carvalho já
editou três títulos da Diler & Associados, todos dirigidos por
Moacyr Góes: os já estreados
"Dom" e "Maria, Mãe do Filho de
Deus" e o inédito "Abracadabra",
estrelado pela apresentadora Xuxa Meneghel.
Entre um e outro, montou
"Benjamim", de Monique Gardenberg. Atualmente, edita "Sonho de Verão", com Angélica e
Luciano Huck à frente do elenco.
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