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Polícia Federal "estrela" nova novela da Record
Rede pede para autor ampliar papel de delegado da PF em trama sobre a máfia
Lauro César Muniz, que começa a escrever "Vendetta", diz que histórias criadas por nova geração são "simplistas", mas elogia "A Favorita"
LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Protógenes Queiroz, o delegado da Polícia Federal que
prendeu Daniel Dantas, Naji
Nahas e Celso Pitta, será galã de
novela. Calma lá, essa foi só
uma frase de impacto ao estilo
das operações da PF. Mas ele e
seus holofotes mudaram os rumos de "Vendetta" (título provisório), a próxima novela de
Lauro César Muniz na Record.
O autor de sucessos como "O
Salvador da Pátria" e "Roda de
Fogo" conta ter recebido do
bispo Honorilton Gonçalves,
vice-presidente da emissora,
sugestão para ampliar o espaço
de um delegado da PF em sua
história, sobre a máfia. Muniz,
70, vê no pedido uma "intuição
dramatúrgica" e não um possível interesse político da Record
ou da Igreja Universal, proprietária da rede. À Folha, o autor
traça relação entre Protógenes,
"sujeito sério e esperto", e seu
personagem, analisa o sucesso
da reprise de "Pantanal", critica a nova geração de autores,
mas elogia "A Favorita".
FOLHA - Como avalia a entrada da
reprise de "Pantanal", do SBT, na
disputa por audiência, antes polarizada entre Globo e Record?
LAURO CÉSAR MUNIZ - Esse momento é rico, de competição
forte entre as três redes. A Record está realmente crescendo,
apesar de momentos de hesitação, e não deve recuar. Seu
crescimento está provocando
reação, como a do SBT, que deu
a sorte de comprar "Pantanal".
FOLHA - O sucesso dessa reprise
pode dar recados a autores de hoje?
MUNIZ - Ele prova a eficiência
das novelas antigas. Mostra que
aquela nossa estrutura continua presente, envolvendo sem
os maniqueísmos das tramas
de hoje. Quem é o herói de
"Pantanal"? E o vilão? É difícil
dizer porque ali há pessoas interessantes. É bom para desmistificar a idéia de que é preciso ter estrutura rígida, maniqueísta. "Pantanal" veio discutir essa estrutura aberta, realista, de personagens contraditórios. Sou de outra geração, e a
atual está escrevendo de maneira muito esquemática. Busca-se a fórmula facilitadora,
que está vulgarizando a novela.
"Pantanal" mostra que nossa
geração, minha e a do [Benedito] Ruy [Barbosa, autor da novela], estava certa.
FOLHA - Por que agora se escreve
de forma esquemática, como diz?
MUNIZ - Minha teoria é que o
mundo virou um processo mercadológico, sem discussão
ideológica, essa globalização...
É tudo um hipermercado onde
só vale o ganho imediato. O cinema norte-americano passou
a ser barulhento e engoliu o europeu, que foi nocauteado por
anos e só agora está se levantando. O público foi envolvido
por uma coisa mais fácil. Isso
também impôs à telenovela a
maneira simplista, na qual prevalece o maniqueísmo, o herói
nítido contra o vilão nítido. E
isso gerou queda de qualidade.
FOLHA - O sr. vê "A Favorita"?
MUNIZ - Sim, é uma novela de
qualidade, a melhor dos últimos três, quatro anos na Globo.
Quero ver o que novos autores
estão fazendo, e a que nível os
velhos cederam a essa estética
facilitadora. Isso me incomoda.
FOLHA - João Emanuel Carneiro,
autor de "A Favorita", é da nova geração, inclusive era colega de Tiago
Santiago, de "Os Mutantes" [que
defendeu na Record que Muniz deixasse claros os heróis e vilões de sua
próxima novela]. Ele lançou "A Favorita" com a proposta de fazer um
jogo de dualidade ao não revelar
quem era a mocinha e a vilã. Ele é ou
não dessa geração maniqueísta?
MUNIZ - Ele está até desfazendo isso, ao brincar com a dualidade. É claro que ele tem um pé
nessa estética facilitadora, se
formou dentro dessa visão.
Mas está com uma visão crítica
sobre isso.
FOLHA - O sucesso de "Pantanal"
não mostra também que nem sempre é preciso imprimir ritmo acelerado à trama, como é comum hoje?
MUNIZ - É outro mérito de
"Pantanal" desfazer o conceito
de que é preciso que tudo seja
avassalador, de ritmo frenético.
Não acho que a gente tenha que
voltar a essa fórmula, mas
achar uma síntese entre ela e o
que se faz hoje. Por outro lado,
é impressionante como o público se liga em cenas fortes. A
tendência do autor é fazer cenas de impacto, barulho. E "Os
Mutantes" [com muitas cenas
de ação] tem o mérito de estar
segurando a audiência de "A
Favorita", fazendo um dique.
Se não, a novela da Globo estaria dando o ibope mais alto dos
últimos tempos. O Tiago tem o
mérito de ter descoberto essa
coisa lúdica que atinge a classe
C/D/E e o público infanto-juvenil. Ele é esperto para evitar
que "A Favorita" deslanche.
Discordo de sua cartilha de telenovela, acho que não serve de
modelo, mas ele sabe fazer e segurar a audiência. A Record deve muito a ele, aceitou essa estética e de certa forma a estabeleceu como padrão da casa. É
um momento em que a Record
usa essa estética para se afirmar e depois poder sonhar
mais alto. Espero que "Vendetta" possa contribuir, porque é
uma novela mais ambiciosa.
FOLHA - Como surgiu "Vendetta"?
MUNIZ - Era um projeto de minissérie que apresentei em
1998 para a Globo, que não deu
a menor bola. É inspirado no
romance ["Hora ou Vendetta"]
do Sílvio Lancellotti sobre a
máfia. É o que a Record está fazendo agora: ações fortes, conflitos, tiro, violência, pancadaria. Nada melhor do que a máfia. A cúpula aceitou a idéia e
fez algumas sugestões para ampliar a Polícia Federal na história. O delegado da PF já estava
na história do Sílvio, o Telônio
Meira, mas eu o ampliei.
FOLHA - Essa sugestão em plena
época de operação Satiagraha...
MUNIZ - Olha os nomes: Protógenes, Telônio. Foi uma premonição do Sílvio, pelo menos
no nome [risos]. Tem tudo a ver
esse Protógenes com o Telônio,
é ampliar e dar credibilidade à
Polícia Federal, que, pelo noticiário, está acertando mais do
que errando, apesar de ter exagerado em algumas coisas. Esse
Protógenes Queiroz é interessante, um sujeito sério. A PF
começa a ter simpatia da opinião pública. Pensei: "Isso vai
dar certo". A sugestão de ampliá-la veio do Honorilton Gonçalves [bispo, vice-presidente
da Record]. Ele está certo.
FOLHA - Esse pedido não pode representar um apoio da emissora da
Universal, igreja ligada a Lula, à PF?
MUNIZ - Não me passou isso
pela cabeça. Vi como uma contribuição dramatúrgica, uma
boa intuição que ele teve. Ele
intuiu que seria bom valorizar
o antagonista ao mafioso.
FOLHA - Apesar da quebra do monopólio da Globo, o sr. costuma refletir sobre o significado do ganho
de poder da Record, ligada à igreja?
MUNIZ - Claro, penso muito
nisso. Mas também penso na
origem da Globo. Na década de
60, quando a Globo apareceu,
se falavam as coisas mais conspiratórias: a Time Life [empresa norte-americana que investiu na Globo], ligação com a ditadura. E a emissora cresceu,
fez um trabalho excelente e hoje é genuinamente nacional.
Acho que a Record também pode contribuir com qualidade.
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