São Paulo, domingo, 10 de agosto de 2008 |
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BIA ABRAMO A previsibilidade da viravolta
ENTÃO , é Flora, a loura, doce e vitimada Flora, a assassina, e não Donatela, a morena, ambiciosa e bem-sucedida Donatela. A viravolta em "A Favorita" estava mais ou menos sugerida desde o início e francamente divulgada há já um certo tempo; deu-se no capítulo da última terça-feira, em cenas francamente desleixadas. Laura Mattos já apontou os erros -gente que "volta" anos e não envelhece nem muda de roupa; criança de olhos castanhos que vira moça de enormes e redondos olhos azulíssimos-, em reportagem na quinta-feira, aqui mesmo, na Ilustrada. São detalhes, mas não tão pequenos assim e tão evidentes que deixam uma pulga atrás da orelha: será que é de propósito, para depois acusar os observadores que apontam os furos de falta de imaginação? A hipótese é divertida, mas só isso. Fazem-se as coisas dessa maneira porque se tem a certeza de que tanto faz despender mais dinheiro ou tempo nisso, porque o resultado de audiência está garantido pela antecipação. As viravoltas anunciadas e previsíveis são esteróides de audiência. Também as igualmente antecipadas exibições de cenas ditas polêmicas -o beijo gay, a surra nas mulheres malvadas e nas garotas impertinentes, a nudez da gostosa da vez- funcionam da mesma forma: bombam a audiência. O problema da viravolta é que ela exige mais fôlego do roteirista -é preciso manter o pique da novidade por um tempo mais longo e usar mais habilidade para mudar, de fato, os rumos da narrativa. Não que a viravolta seja estranha às novelas. Fazem parte da matriz melodramática, bem como da história das telenovelas, as inflexões abruptas na narrativa, de maneira a criar suspense sobre o que acontece em seguida e ajeitar as soluções românticas esperadas. Janete Clair, por exemplo, estreou na Globo, em 1967, "arrumando" a trama de "Anastácia, a Mulher sem Destino" com um terremoto que só deixou quatro personagens vivos. Mas algo mudou na maneira de ver novela: estar diante da televisão no horário em que ela é exibida não é a única maneira de acompanhá-la. Pode-se saber a respeito do que vai acontecer no jornal, na internet e mesmo na própria TV. Boa parte da audiência, hoje, monitora aquilo que vai acontecer, pelos mais diversos recursos -e decide se vale a pena ver cada capítulo da novela. O inesperado torna-se, assim, previsível, e tem o impacto de um fogo de artifício. biabramo.tv@uol.com.br Texto Anterior: Resumo das novelas Próximo Texto: Televisão/Crítica: Mulheres fortes protagonizam o domingo Índice |
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