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Artista viveu e representou seus ideais
ALDO PEREIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Getúlio Vargas admirava Mussolini. Mas queria o Brasil neutro
na guerra e, assim, vender alimentos e matérias-primas aos Estados Unidos. Os alemães, que
não partilhavam essa idéia de
neutralidade, passaram a torpedear navios mercantes brasileiros.
Pelo que, em agosto de 1942, Getúlio se viu compelido a declarar
guerra à aliança teuto-italiana.
Como outros brasileiros então
na Itália, Lélia Abramo acorreu
ansiosa ao consulado em busca
do meio mais rápido de retornar.
Retornar? No caso dela, só depois
da guerra. Sim, sim, o passaporte
era brasileiro. Mas, tendo pais italianos, como Lélia tinha, todo
brasileiro que fosse viver na Itália
assumia ipso facto cidadania italiana. Ante o estado de beligerância entre os dois países, como pretender que o Brasil fosse acolher
cidadã italiana?
Nesse limbo de nacionalidade
trancado por impermeável lógica
kafkiana, Lélia temeu o pior. E o
pior era o sobrenome denunciador de sua origem judaica, pois
Abramo corresponde ao Abrão
bíblico. Na Itália da época, como
na Alemanha, judeus eram sistematicamente arrebanhados em
campos de concentração donde
muitos seriam baldeados para
uma viagem sem volta.
Lélia salvou-se com a certidão
de batismo dos pais. A família
descendia, sim, de judeus, mas se
convertera ao cristianismo algumas gerações antes.
Lélia voltou ao Brasil em 1950.
Em meados da década, ainda buscava definir-se. O irmão Athos,
jornalista e crítico, sugeriu-lhe
participar de grupos teatrais amadores de língua italiana.
Naquele tempo, empresários e
diretores de teatro buscavam entre amadores talentos novos (e
baratos). Quando a descobriu entre os "mambembes", Augusto
Boal ofereceu-lhe uma ponta em
"A Mulher do Outro", que ele
montaria no Teatro de Arena.
Ainda em 1958, ela fez o papel
da mãe em "Eles não Usam Black-Tie", de Gianfrancesco Guarnieri.
O papel rendeu a Lélia cinco prêmios e incontáveis aplausos.
Arte dramática e política integraram-se nela naturalmente, como vocação de exibir, no palco,
atuação política elevada ao plano
de arte. De fato, mais do que a voz
poderosa, o senso de "timing" e o
vigor da impostação, Lélia canalizava a energia interior da paixão
política para iluminar seus personagens. Essa luz brilharia em 28
peças, 14 filmes e 29 novelas.
Em 1977, liderou uma reivindicação sindical por melhores salários e condições de trabalho para
artistas da televisão, onde então
fazia "Pai Herói" com Paulo Autran. A campanha a conduziu à
presidência do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos
de Diversões no Estado de São
Paulo. Então, por defender empregos, perdeu o próprio: mandaram matar sua personagem, demitiram-na, e durante seis anos a
boicotaram na televisão.
Voltaria ainda às câmaras e ao
palco, mas, já em seus setentas, a
carreira sofria natural declínio.
Jovens da imprensa que ocasionalmente pautavam matérias sobre ela, ou a entrevistavam, nunca
a tinham visto representar.
O cenário desbotou, o palco esvaziou, a platéia dispersou-se, e
seu último papel foi o da mesma
solidão real que lhe marcou a vida. Na intimidade dessa solidão,
ainda pôde festejar o triunfo eleitoral do PT. Sempre coadjuvante,
também nesse drama tocara a ela
um papel.
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