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ARTIGO
Beco sem saída do Oficina é escândalo
Sobre reportagem acerca de segurança nos teatros, diretor diz que Grupo Silvio Santos construiu muro de cimento na porta de passagem
JOSÉ CELSO MARTINEZ CORRÊA
ESPECIAL PARA A FOLHA
A reportagem muito
oportuna e necessária
da Ilustrada do último
domingo sobre o drama da segurança dos teatros de São
Paulo contra incêndios peca
por um drama maior, que o
próprio texto revela na forma
como foi tratado o assunto, fato
este que se repete na maneira
como os poderes público e privado, sobretudo o governo do
Estado de São Paulo, tratam o
assunto.
O Teat(r)o Oficina -incendiado em 1966, logo após o incêndio dos estúdios da TV Bandeirantes após sucessivas
ameaças telefônicas de botar
fogo em todos os lugares de
cultura de São Paulo, feitas por
grupos paramilitares que
anunciavam o AI-5- atualmente é incendiado em fogo
morno, é assunto que virou tabu nas pautas da mídia e contaminou a própria opinião pública. Sinto isso nas pessoas que
me abordam na rua tediosamente e me perguntam à toa:
"Como está a pendenga entre o
grupo Silvio Santos e Oficina?".
Há 28 anos, Lina Bardi traçou um Teat(r)o Pé na Estrada,
Rua, com entrada e saída dos
fundos, para justamente resolver o impasse daquele lugar
que desde a existência do antigo Teatro Novos Comediantes,
onde estreamos há meio século, já tinha esse problema: teatro beco sem saída.
O Teat(r)o Oficina é tombado, desapropriado e parcialmente reconstruído pela Secretaria da Cultura do Estado
de São Paulo, proprietária do
imóvel (uma relação de 25
anos). É tombado também pelo
Conpresp -órgão de preservação do patrimônio da Prefeitura de São Paulo. Esses poderes
jamais moveram nem uma palha sequer para negociar com o
grupo Silvio Santos uma passagem, para ao menos dar ao público do Teat(r)o Oficina direito a uma segunda saída de
emergência, pelo lado norte da
pista do teatro.
A reportagem nem menciona esse ESCÂNDALO!
Esse fato demonstra não somente o pouco caso à última
obra de Lina Bardi, uma das
maiores arquitetas do século
20, como à cultura produzida
no lugar, uma cultura de buscas
de saídas, que tem seu espaço
castigado a metaforizar-se urbanisticamente como um beco
sem saída.
A questão de segurança é
apontada, mas não a da solução
óbvia, há 28 anos pretendida
pelo Oficina, que aliás pode ser
resumida nos buracos contínuos que abrimos nas últimas
décadas, nos arcos romanos
dos fundos do teatro, tentando
chamar a atenção dos responsáveis por essa falha mais que
dramática, trágica.
Parede de cimento
No ano passado, o grupo Silvio Santos amurou de vez a passagem de segurança com uma
parede de cimento, acrescida
de aplicação de restos da 1ª Sinagoga de São Paulo, destruída
pelo próprio Grupo SS inclusive, uma estrela de David. Essa
meticulosa "obra de arte" macabra que chamamos de
"Auschwitz" foi fotografada
por Lenise Pinheiro no dia da
reportagem.
Na matéria de domingo, a foto maior era de fios elétricos fora dos cabos no teto do Teat(r)o
Oficina, facilmente revestíveis,
como já estão sendo. A foto deste "Auschwitz", que acompanha esse meu texto, revela esse
ESCÂNDALO, contribuindo
assim à segurança de artistas,
de técnicos e do público do Oficina. Agradeço à reportagem
porque me dá ensejo de exigir
imediatamente das autoridades responsáveis que negociem
a abertura de uma passagem,
independentemente do projeto
que pretendemos criar no nosso entorno: "O Anhangabaú da
Feliz Cidade".
O Oficina mais que merece
comemorar seus 50 anos no dia
dos santos meninos Cosme,
Damião e Doum, na noite de 26
para 27 deste mês, com "Os
Bandidos", de Schiller, tendo
seus caminhos abertos.
Vamos transformar o drama
desse tabu num totem, num
sintoma de abertura real em
nossa cidade, para os caminhos
que toda a cultura mundial de
mudanças exige. Ou vamos
continuar nessa hipocrisia, como se essa oportunidade não
existisse?
JOSÉ CELSO MARTINEZ CORRÊA é diretor de teatro
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