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Comentário
Raridades surgem em seleção artificial
Objetos da mostra "Tesouros da Terra Santa" foram escolhidos por ajudarem a ilustrar relatos históricos conhecidos
RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL
A
chados arqueológicos
são fragmentos volúveis do passado, pois
sua preservação depende muito do acaso. Materiais orgânicos, como ossos e madeira, são
bem mais raros do que objetos
resistentes à passagem do tempo e das estações climáticas, como cerâmica, mármore ou vidro. Mesmo esses materiais podem estar disponíveis apenas
em pedaços que exigirão paciência e habilidade para serem
remontados.
Isso ajuda a explicar o recorte feito na exposição "Tesouros
da Terra Santa". A idéia original era mostrar apenas objetos
da era de Jesus Cristo. No entanto, mesmo o mais importante museu israelense não teria
objetos suficientes para uma
mostra que não fosse limitada e
repetitiva. Resta pouco da "cultura material" dos primórdios
da era cristã.
Felizmente, o âmbito da exposição foi alargado para incluir um período mais extenso,
o que permite ao visitante
acompanhar tanto a evolução
do judaísmo como sua convivência com a nova religião.
Objetos variados de culto religioso, da vida cotidiana e da
administração do poder real e
imperial mostram esse relacionamento complexo, mediado
tanto por guerras como pelo
cotidiano de comunidades dividindo o mesmo espaço.
Os objetos foram escolhidos
por ajudarem a ilustrar relatos
históricos conhecidos, estejam
eles na bíblia judaico-cristã ou
em textos como o do historiador judeu Flávio Josefo, que
descreveu a destruição de Jerusalém pelos romanos no ano 70
d.C. Não chega a ser um problema grave da exposição, mas é
preciso percorrê-la tendo isso
em mente: trata-se de um conjunto de objetos agrupados de
modo artificial. Em parte isso
se deve por serem poucos e raros, mas principalmente porque se quer ilustrar uma história já conhecida.
Atrações
Há atrativos óbvios para o visitante interessado na vida de
Jesus, como objetos de mesa
que poderiam ter feito parte de
uma "santa ceia". Mas são colocados fora do contexto arqueológico original e unidos agora
de modo um tanto forçado para
enfatizar a reverência religiosa.
Outro exemplo é um "meio
shekel" de prata que cada homem adulto judeu deveria doar
por ano ao templo. A moeda de
prata foi colocada ao lado de
exatas 128 outras de bronze, de
modo a retratar o episódio bíblico em que Jesus se insurge
contra os cambistas do templo.
Apesar dessa seleção artificial, alguns artefatos são ilustrativos por eles mesmos. É o
caso de um menorá (candelabro de sete braços), objeto sagrado judaico, que inclui figuras de leões. Isso não seria permitido em tempos de religião
mais estrita, mas serve para informar que naquele momento
havia uma visão mais flexível
do judaísmo e da convivência
com os gentios (os não-judeus).
Outra boa justaposição de
peças achadas em contextos
distintos é particularmente representativa da convivência religiosa. São duas peças de mármore com decorações praticamente idênticas, com uma diferença básica -a que foi fabricada pelo artesão para a sinagoga
tem um menorá no centro, enquanto a que foi entregue aos
cristãos traz cruzes.
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