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MARCELO COELHO
Votecristo.com.br
A babaquice triunfa, de George W. Bush a Galvão Bueno, de Davos à favela da Rocinha
SER RABUGENTO é um espécie de
deformação profissional entre
os críticos e os cronistas. Gostaria de evitar, mas não prometo nada, porque o assunto de hoje tem
forte potencial "resmungogênico".
Falo dessa votação das Novas Sete
Maravilhas do Mundo, que mobiliza
uma formidável multidão de internautas: em maio, já eram 45 milhões
de eleitores. O Brasil está na parada.
O Cristo Redentor é um dos finalistas da competição, com chances de
suplantar a Muralha da China, Macchu Picchu e o Taj Mahal.
Fico naturalmente surpreso. Cristo Redentor? Pensava que o nosso
candidato era o Maracanã. Em todo
caso, os apelos e mobilizações da
torcida verde-amarela crescem na
reta final. Quem quiser dar uma força pode acessar o site
www.new7wonders.com. Ou o
www.votecristo.com.br, todinho
em português.
O resultado será conhecido em
cerimônia em Lisboa, em 7 de julho
(07/07/07, como já terá percebido
o bom entendedor). Além de votar,
contribuindo para que o afluxo de
turistas internacionais ao Rio cresça de modo significativo (mesmo
após o Pan), você pode engajar-se
mais seriamente no projeto.
Há uma "canção oficial" da promoção, a ser baixada no computador, camisetas promocionais e distintivos para enganchar na camiseta. A coleção completa dos distintivos, com imagens dos 21 concorrentes, está à venda por US$ 99,95.
Corra, porque só existem 7.777
exemplares autênticos.
A conta, dirão os mais céticos, é
de mentiroso. Mas a iniciativa, que
conta com o apoio da Unesco, parece ter boas intenções, ou pelo menos 50% de boas intenções: metade
do lucro obtido irá para fundos de
preservação do patrimônio histórico internacional.
Quem está ganhando? O site deixou de divulgar o ranking, com a
alegação de que a massa de votos
tem sido enorme nos últimos dias,
acarretando flutuações súbitas no
cômputo geral. Prefiro acreditar
que eles estão mantendo o suspense para que não se esvazie a cerimônia da premiação; há ingressos à
venda para assisti-la ao vivo.
O Cristo Redentor não é um azarão: há escolhas menos justificáveis, a meu ver, como a Ópera de
Sydney, e talvez menos conhecidas,
como o Templo Kiyomizu de Kyoto. Pelos critérios oficiais, o que se
deve premiar é o valor de cada
construção, não a paisagem que a
rodeia. Mas nós, brasileiros, somos
muitos, e temos mais a ganhar: a
Torre Eiffel, o Coliseu ou a Estátua
da Liberdade não precisam da lista
para receber mais visitantes.
"O seu voto conta!", proclama o
site. "Participe na evolução da história mundial..." Lendo frases do tipo, lembro a frase do empresário
circense P.T. Barnum, segundo a
qual nasce um otário a cada minuto. Mas a questão aqui não é a de ser
otário: ninguém está sendo enganado (espero) nesse concurso. Talvez, desculpem-me os entusiastas
do projeto, o que me irrite seja o
seu componente de babaquice.
O termo é pesado, mas não encontro equivalente para um tipo de
atitude que se alastra em toda parte. Antigamente, dizia-se "eram
coisa de americano": animadoras
de torcida, chapéus palheta com as
cores da bandeira em convenções
do Partido Republicano, adesivos
do tipo "Eu participei da Festa do
Amendoim de Tuscaloosa", a parada oficial da Disneylândia...
Um mundo em que o comercialismo deslavado parecia não ter
medo de ser feliz, e em que todo
banqueiro cantava ao ir para o trabalho como se fosse um anãozinho
da Branca de Neve. "Shrek", aliás,
representou um saudável antídoto
de ironia a esse espírito de conto de
fadas que, sem dúvida, associávamos à mentalidade americana.
Mas essa atitude "construtiva",
essa militância na inocuidade, toma conta de tudo: frases edificantes e conclamações em cor-de-rosa
estão presentes nas palestras com
PowerPoint, nas contas de luz, no
"obrigado por ligar" dos serviços de
atendimento eletrônico, nos Dias
Mundiais Disso ou Daquilo, nos
abraços coletivos em defesa do
amor e do planeta; a babaquice
triunfa, de George W. Bush a Galvão Bueno, de Davos à favela da Rocinha.
Mas seria injusto falar só de babaquice. Nessas promoções interativas de internet, existe sem dúvida
uma vontade autêntica de participar de alguma coisa. Apesar das patriotadas que contém, um movimento como o das sete maravilhas
traz a ilusão, ou a esperança, de que
todos nós sejamos de fato cidadãos
do mundo. A vontade é autêntica;
pena que o resto não.
coelhofsp@uol.com.br
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