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Comida
Fome de livros
Crítico e colunistas da Folha comentam lançamentos de gastronomia da Bienal
UM PUNHADO de bons livros
sobre gastronomia compensará a ausência de estrelas da
área circulando pelo pavilhão
de exposições do Anhembi, onde acontece
a partir de hoje a 20ª edição da Bienal Internacional do Livro de São Paulo.
Entre os lançamentos nacionais, está
"Com Unhas, Dentes & Cuca", em que o
chef Alex Atala e o sociólogo Carlos Alberto Dória discutem a cozinha brasileira e
revêem visões históricas arraigadas.
Aos estudiosos de gastronomia, outras
duas boas notícias: a reedição de "Arte de
Cozinha", de Domingos Rodrigues, e de
"Cozinheiro Nacional". Entre os livros de
receitas, estão os dos apresentadores britânicos Jamie Oliver e Nigella Lawson.
Mas nem tudo vale a pena. "Um Só Vinho", apesar da proposta interessante, decepciona. Tem falhas primárias, como errar a uva de um vinho. Leia a seguir.
"Um Só Vinho"
Obra tem idéia ótima e resultado decepcionante
JORGE CARRARA
COLUNISTA DA FOLHA
O tema empolga. Um
único vinho, um único
copo, uma única escolha para acompanhar a contento todas as etapas de uma refeição. Para tanto, o livro indica
vinhos destinados a combinar,
cada um, com um par de menus. A idéia (ótima) sofre com
alguns tropeços.
Em primeiro lugar, os exemplares propostos são quase todos franceses, com vinhos como o Mondeuse da Savoia ou o
Patrimônio, da Córsega -difíceis de achar no nosso mercado, dominado por rótulos chilenos, argentinos e portugueses.
Há sugestões de goles alternativos, é verdade, mas que
às vezes são vagas e outras,
erradas. Para substituir um
Corbières, recomendam-se "vinhos da Itália, Espanha, África
do Norte, Líbano, Grécia...".
Mas qual? Da Espanha, um elegante Rioja ou um robusto
Priorato? Da Itália, um chianti
frutado ou um tinto da Puglia?
Já no lugar de um Beaujolais
(leve e frutado) sugere-se um
zinfandel californiano por ser
"oriundo da uva gamay beaujolais", quando aqueles tintos
(encorpados e alcoólicos) são
feitos com a uva que lhes dá o
nome: a zinfandel.
No canto dos cardápios, o panorama não melhora. Apenas
uma receita dos vários pratos
propostos. A idéia não era harmonizar do aperitivo à sobremesa? Sejam as escoltas muito
arriscadas (como a inédita de
um Médoc com um brownie),
ou não, como colocá-las em
prática se a fórmula das iguarias não está lá? As escorregadas acabam transformando o
entusiasmo despertado pelo título em pura decepção.
UM SÓ VINHO
Autores: Évelyne Malnic e Odile Pontillo
Tradução: Marcos Barboza e Carmem Caciaccarro
Editora: Larousse do Brasil
Quanto: R$ 49,90 (160 págs.)
Avaliação: ruim
"Com Unhas..."
Livro de Atala revê mitos da cozinha brasileira
JOSIMAR MELO
CRÍTICO DA FOLHA
De três anos de conversas e
pesquisa nasceu o novo livro de
Alex Atala, em conjunto com
Carlos Alberto Dória ("Com
Unhas, Dentes & Cuca").
Não tem receitas: é um esboço de tratado de gastronomia,
um pouco colcha de retalhos,
que busca sistematizar (de forma simples e sintética) o conhecimento moderno na área.
Mesmo quando fica nas dúvidas, é valioso, especialmente
quando organiza informações
históricas e dá uma visão geral
sobre as técnicas culinárias tradicionais e de vanguarda.
O ponto alto é quando fala da
cozinha brasileira e aproveita
para rever visões históricas (a
suposta ancestralidade da cozinha baiana), questionar classificações arraigadas (a divisão
artificial das cozinhas "regionais") e se debruça sobre temas
como o terroir nacional e a
Amazônia (tradições e produtos) -algo que, mesmo com
menos fôlego, honra a tradição
de Câmara Cascudo.
Nas generalizações, o livro
abre flancos. Ao exigir do
cozinheiro uma filosofia para
justificar seus pratos, embaralha o papel do artista (quase
como no realismo socialista),
do crítico e do público.
Ao comentar a "crise" da crítica gastronômica usa um
truísmo pueril ("o mais importante para quem experimenta o
prato é perceber se gosta ou
não, não precisa se apoiar na
opinião de alguém") que invalidaria qualquer crítica de arte,
cuja real função é ajudar a enriquecer a experiência do público, não decidir por ele. Coisas
que não tornam o livro menos
importante e necessário.
COM UNHAS, DENTES & CUCA -
PRÁTICA CULINÁRIA E PAPO-CABEÇA AO ALCANCE DE TODOS
Autores: Alex Atala e Carlos A. Dória
Editora: Senac São Paulo
Quanto: R$ 60 (252 págs.)
Avaliação: bom
"Arte de Cozinha"
Publicação influenciou nossa corte incipiente
NINA HORTA
COLUNISTA DA FOLHA
"Arte de Cozinha", de Domingos Rodrigues, foi o primeiro livro de cozinha publicado
em Portugal. Numa de suas edições, o prefaciador Alfredo Saramago o apresenta com muita
modernidade aos portugueses,
comentando que "não é possível fazer uma breve história da
alimentação em Portugal sem
pôr em evidência o livro do cozinheiro de Dom Pedro 2º, não
só por se tratar do primeiro livro de cozinha editado em Portugal, como pela forma como
nele se fixam receitas, algumas
imutáveis até o tempo presente. E por meio dessas receitas é
possível estudar com clareza os
produtos, condimentos e temperos que as compunham, assim como é fácil analisar as tendências e usos da época, que
marcaram uma viragem na forma de cozinhar, na Europa e
em Portugal, no último quartel
do século 17".
E no Brasil? Qual foi a importância do livro? A introdução
da antropóloga Paula de Pinto e
Silva é para mim a razão de ser
desta nova edição, pois nos vai
contar como o livro do português influenciou a nossa incipiente corte que tentava reproduzir um estilo de vida europeu. E todas essas escavações
culinárias de Paula Pinto e Silva, sobre as quais podemos refletir, são de suma importância
para nós brasileiros, ainda tontos à procura da nossa identidade alimentar.
O livro tem glossário e 41 receitas atualizadas por Flávia
Quaresma. Ilustrado, canta
com o sotaque português os
chouriços mouros, os pastéis
de cidrão, as tigeladas e as morcelas, receitas que já olhavam
para o futuro mas também não
queriam esquecer o passado.
ARTE DE COZINHA
Autor: Domingos Rodrigues
Editora: Senac Rio
Quanto: R$ 79,90 (336 págs.)
Avaliação: ótimo
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