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Jô Soares abre seu supermercado de piadas em espetáculo com situações do cotidiano
Nas graças do GORDO
Marlene Bergamo/Folha Imagem
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O humorista Jô Soares na biblioteca de sua casa, em São Paulo |
IVAN FINOTTI
DA REPORTAGEM LOCAL
Há quase 15 anos no comando
de um "talk show" diário na televisão, Jô Soares, 65, anda preocupado com as coisas que o cercam. "Comprei uma lava-louças
e no manual vinha escrito:
"Quando for necessário repor o
líquido secante, ficará óbvio".
Óbvio como? E, aliás, como um
líquido pode ser secante?"
Sacadas como essa, tiradas do
dia-a-dia e armazenadas há anos
em seu computador, são a matéria-prima de "Na Mira do Gordo", espetáculo de um homem
só que Jô estréia nesta sexta no
Tom Brasil - Nações Unidas.
"Sou produtor, diretor, escritor e
ator. Só não sou bilheteiro porque não entro na cabine", diz.
Negando-se a adiantar qualquer piada, Jô não quis contar
nem aquela que envolve Lula.
Mas revelou que fica nervoso
com a estréia ("A boca fica seca,
vou colocar uma água no palco"), que tem pesadelos de ator
("Sonho que vou entrar em cena
e esqueci o texto") e que não volta a fazer os personagens que
marcaram a TV brasileira nos
anos 70 e 80 ("Esgotou").
Abaixo, trechos da entrevista
que Jô concedeu na quinta-feira,
na biblioteca de sua casa.
Folha - Em seu novo show teatral há quadros como o homem no
avião, o homem no supermercado
etc. Mas, Jô, você frequenta supermercados?
Jô Soares- Vou! É claro que eu
vou a supermercados (risos).
Aqui no Brasil eu vou menos.
Mas costumo brincar que supermercado no Brasil é muito melhor que nos Estados Unidos.
Aqui as pessoas me vêem e já trazem os produtos. "Leva isso
aqui, Jô. O que mais você quer?"
Folha - Como é esse seu novo espetáculo?
Jô - A idéia é falar do homem e
das coisas que o cercam, mas
sempre o atrapalham. Como,
por exemplo, o videoclube. Nunca tem o filme que a gente quer; é
um muro das lamentações.
Folha - Como as piadas chegam?
Quando você anda na rua, todo
mundo te conta a última?
Jô - Nem sempre. Às vezes, sim.
E eventualmente são aproveitadas. Eu conheço muitas piadas,
mas acontecem coisas curiosas.
Entrevistei o pessoal do Grupo
Tapa essa semana e um deles
contou umas seis piadas. Eu não
conhecia nenhuma! Veja como é
impressionante o número de
piadas que circula pelo mundo.
Folha - Mas você deveria conhecer todas? Quantas você sabe?
Jô - Ihhh... Muitas.
Folha - Mil? Duas mil?
Jô - Ah, não. Muito mais.
Folha - Dez mil?
Jô - Umas 30 mil ou 40 mil.
Folha - De cabeça?
Jô - O nosso HD [disco que armazena informações no computador] é muito vasto. Por associação de idéias, quando alguém
fala alguma coisa, esse gatilho vai
buscar. Sabendo qual é o gancho,
é difícil esquecer uma piada.
Folha - Então conta uma do
show. Tem alguma do Lula?
Jô - Tem o desfecho de um número com ele.
Folha - Conta aí.
Jô - Ah, não posso. Ou, em vez
de ir ao show, vão ficar lendo jornal em casa.
Folha - Mas tem política?
Jô - Uma visão geral sobre as
coisas da política. E o show tem
uma janela onde é permitido falar de atualidade.
Folha -Tem crítica ao governo?
Jô - Poderá eventualmente entrar. No momento, não tem.
Folha - Como você monta um
show desses? A partir de um arquivo de piadas?
Jô - Em geral os números surgem da observação cotidiana.
Por exemplo, há mais de cinco
anos eu não escrevia um show
novo. Mas tudo o que me passava pela cabeça eu sapecava para
dentro do computador, numa
pasta chamada "show". Quando
escrevi tudo, fiquei com umas
seis horas de leitura seguida.
Folha - E como diminuiu?
Jô - Primeiro faço uma depuração com meus assistentes de direção, Alexandre Régis e o Cássio Brasil. Aí cai para três horas.
Depois reúno uma porção de
amigos e distribuo papéis para
eles darem notas para cada quadro. No começo ninguém quer
dar nota. "Tá tudo ótimo! Tá tudo ótimo!", dizem. Mas aí eles
começam a discutir entre si e eu
percebo as preferências.
Folha - Você fez muitos personagens marcantes na TV, como o Capitão Gay ou o "Vai pra casa, Padilha". Não tem vontade de voltar a
fazer algo assim?
Jô - Não, porque acho que tudo
tem o seu tempo. Chega uma hora em que os personagens vão ficando com a mesma cara... É um
esquema que, para mim, se esgotou. Já no meu programa atual,
posso fazer qualquer coisa.
Folha - Você cansou?
Jô - Eu tenho que fazer com
muito prazer, me divertindo. E
hoje não me divertiria fazendo
um programa com personagens.
Folha - Então não volta a fazer?
Jô - Não. Seria como dar um
pulo para trás.
Folha - Qual daqueles personagens você prefere?
Jô - Tem alguns que eu percebo
que eram absolutamente circunstanciais ao momento, como
o paranóico que, quando ouvia
uma palavra que ligasse com ditadura, falava "Não me comprometa!". Outros cabem em qualquer situação, como a cantora
Norminha, a aeromoça medrosa, o Gardelon ou o dentista tarado, que eu adorava fazer. O "Jornal do Gordo", com o Paulo Silvino, um jornal para pessoas
mais ou menos surdas... Enfim,
esses que não têm época são os
meus preferidos. Quando passo
no telão do programa, a platéia
se libera de rir. E quando passo
esses vinculados a uma época,
não rende tanto. As referências
já ficaram lá para trás.
Folha - E após quase 15 anos fazendo "talk show" não sente que
o formato esgotou?
Jô - No momento, não. A cada
ano temos uma porção de novidades. Desde cenários, as brincadeiras com o Alex, quadros como "A Música Desconhecida",
antes teve o "Piscou, Dançou", o
"Momento da Fama", o "Sobe
no Caixote". De um bate-papo
entre duas pessoas você não cansa nunca. O ser humano adora
falar e ouvir. Para mim não tem
melhor divertimento do que
uma boa conversa.
NA MIRA DO GORDO. Texto, direção e
interpretação: Jô Soares. Onde: Tom
Brasil - Nações Unidas (r. Bragança
Paulista, 1.281, tel. 0/xx/11/5644-9800). Quando: sex. e sáb., às 22h;
dom., às 20h. Quanto: de R$ 30 a R$ 60.
Estac. c/ manob. (R$ 15).
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