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Crítica/João Gilberto
Com tudo do jeito que ele gosta, João relaxa e faz valer a espera
LUIZ FERNANDO VIANNA
EM SÃO PAULO
Além de um robusto cachê, deram a João Gilberto um som perfeito,
um ar-condicionado desligado
na hora da apresentação e uma
platéia silenciosa e muito paciente, cujos nervos não sucumbiram aos 97 minutos de
atraso do artista. O resultado da
noite de quinta-feira no Auditório Ibirapuera foi um concerto impecável, iniciado sob alguma tensão e concluído em estado de nítido relaxamento, no
clima "Joãozinho paz e amor"
que marcou quase toda a noite.
Depois de cinco anos sem tocar por aqui, ele possivelmente
satisfaria o público interpretando apenas o seu repertório
tradicional. Mas houve algumas surpresas. Após pedir desculpas pelo atraso e abrir o
show com uma de suas peças de
resistência, "Aos Pés da Cruz"
(Zé da Zilda/Marino Pinto),
João tirou do baú o samba
"Treze de Ouro" (Herivelto
Martins/Marino Pinto), do repertório dos Anjos do Inferno e
de Roberto Silva, ídolos seus.
Mas a surpresa maior viria
no longo bis -foram nove músicas além das 20 "oficiais". Na
volta ao palco, João cantou
"Chove Lá Fora", do "grande
Tito Madi". A forte amizade entre os dois terminou em 1961
com dez pontos abertos na cabeça de Tito pela batida literal
do violão de João. Tito ainda
mostra mágoa quando fala do
assunto. "Essa música é linda",
exaltou o ex-amigo no palco,
antes de repetir um trecho.
Tendo, assim como Tito, hospedado João em sua casa nos
primórdios da bossa nova e
também com um violão quebrado em sua biografia, Sérgio
Ricardo foi homenageado em
seguida com a interpretação de
"O Nosso Olhar", outra peça rara no repertório de João. Denis
Brean (1920-1969) foi o terceiro reverenciado, mas com uma
peça freqüente, "Bahia com H".
Essas escolhas, entremeadas
por falas descontraídas, confirmaram um João relaxado, feliz
de estar no palco, chegando a se
recostar na cadeira após "Bahia
com H". Ele até sorriu durante
"Samba de uma Nota Só" e "Garota de Ipanema", a música que
encerrou a noite com ar renovado, sem parecer tão gasta pela maciça standardização.
Detalhes
E isso João faz como ninguém: revitalizar aquilo que
canta há 40, 50 anos, mexendo
com obsessão em detalhes. Há
quem ache tudo a mesma coisa.
Tudo bem, é o tempo das falsas
e efêmeras novidades. Mas
também há quem se divirta ou
se emocione ouvindo-o, por
exemplo, ampliar a distância
entre frases de "Wave" e evocar
um berimbau no violão em
"Você Já Foi à Bahia?".
Talvez por estar novamente
cantando para uma platéia brasileira, João montou pequenos
blocos, juntando num deles
"Corcovado", "Samba do
Avião" e "Lígia" (todas com
música e letra de Tom Jobim e
ambientadas no Rio), e em outro "Você Já Foi à Bahia?", "Rosa Morena" e "Morena Boca de
Ouro" -as duas primeiras, de
Dorival Caymmi; a terceira, de
Ary Barroso, mas com morenice afim à segunda.
Apesar da tensão inicial, a
linda "Caminhos Cruzados", a
quarta a ser cantada, foi um dos
momentos altos da noite. Na
quinta, a balançada "Doralice",
João já estava mais solto.
Depois, entre outras, vieram
"Meditação", "Preconceito",
"Disse Alguém" (versão de "All
of Me") e as indefectíveis "O
Pato", "Desafinado", "Chega de
Saudade" e "Isto Aqui o que
É?", sempre com algum toque
diferente, com alguma bossa
nova a lembrar que até vale esperar cinco anos -e mais 97
minutos- para passar uma hora e meia tão especial: em silêncio, sem escutar celulares, ouvindo apenas João.
Avaliação: ótimo
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