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CRÍTICA
TV dominical merece, mas não é desligada
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
Apesar de ser um apelo razoável, hoje, entre 15h e 16h,
dá para prever que não serão
muitas as TVs desligadas em sinal de protesto. A idéia, da campanha Quem Financia a Baixaria
é Contra a Cidadania, de usar o
boicote como forma de pressão
até que é boa, mas o domingo parece ser o dia menos adequado
para uma mobilização desse tipo.
De certa maneira, a programação de domingo é das mais representativas daquilo que se costuma classificar como baixaria,
por que é quando a TV regride a
seu estágio mais primitivo. A caixa preta a um canto da sala tem
que mostrar movimento, som,
luzes, cores. Tem que oferecer
distração, em seu sentido mais
concreto. Mas não é que, então,
se reserva o melhor da TV para o
domingo.
Parece ser o contrário: é o dia
da letargia televisiva mais profunda, em que o imperativo é inventar a ilusão do movimento, de
maneira que o telespectador fique o mais quieto possível diante
da tela. O que não parece ser fácil.
Os executivos da TV arrancam
os cabelos para acertar na ilusão
mais capaz de iludir o telespectador de que aquilo que ele vê é divertido, interessante etc.
Não é à toa que os principais
programas dominicais precisam
de animadores. Cabe ao (à) apresentador(a) criar uma atmosfera
de histeria que dê a impressão de
que está acontecendo ali alguma
coisa de fato. Para o tempo escorrer lento do outro lado da tela, o
(a) apresentador(a) tem que imprimir sempre um tom de urgência, de exclusividade.
Domingo, apesar de dia do descanso no mundo real, é também
o dia da disputa mais acirrada
por audiência. A concorrência
entre os programas é coisa que se
leva a sério, tão a sério que se faz
de tudo para ganhá-la. Está aí o
Gugu respondendo a processo
por ter levado ao ar uma entrevista falsa com um membro do
PCC mais falso ainda.
Por mais que a TV no domingo
seja realmente o fim da picada e
que, portanto, mereça ser calada,
talvez seja o dia do telespectador
mais passivo. Provavelmente,
quem está hoje diante da TV é
porque não tem ou não se interessa por outras alternativas de
lazer. Em ambos os casos, é difícil
renunciar ao barulho e animação, ainda que artificial, da TV
para preencher esse vazio.
De qualquer maneira, desligar
a TV, seja hoje ou em qualquer
outro dia, é dos poucos instrumentos de pressão do telespectador. Esse tipo de campanha tem
efeitos mais simbólicos do que
efetivos, está claro, mas é nisso,
por outro lado, que reside a sua
importância. Afinal, é com isso
mesmo que a mídia, e a TV, portanto, trabalha, com representações.
Um dos símbolos mais plásticos e essenciais da TV é o telespectador que engole tudo o que
lhe é destinado, sem abrir o bico.
Se se dissemina a idéia de que o
telespectador não deve engolir
tudo o que lhe destinam -mesmo que os resultados numéricos
não sejam lá muito eloqüentes e
ainda que seja aos poucos -, alguma coisa sempre acontece.
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