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Lobo do ar
Expoente da televisão e das chanchadas no cinema, o diretor Carlos Manga faz as pazes com a crítica
LAURA MATTOS
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
Comecei maltratado pelos críticos, passei a cult e terminei aplaudido por todos, da plebe à intelectualidade. Assim o diretor de cinema e TV Carlos Manga, 76, resume seus 50 anos de carreira.
Das chanchadas carnavalescas
da Atlântida, nos anos 50, à minissérie "Um Só Coração" (2004), na
Globo, sua obra será tema de uma
retrospectiva no Centro Cultural
Banco do Brasil, em São Paulo, a
partir desta terça (leia ao lado).
Entre outros pioneirismos,
Manga foi o responsável pela primeira edição de videoteipe da TV
brasileira, em 1961. Entusiasmado
com o feito, beijou a boca de um
homem "pela primeira e última
vez". Era o técnico com quem dividia o estúdio. Além dessa revelação, na entrevista a seguir Manga fala mal do cinema novo e do
governo Lula, afirma que a escalação de Erik Marmo para "Um Só
Coração" foi um erro e diz querer
fazer um filme para se aposentar.
Folha - Que avaliação faz da produção industrial de filmes dos estúdios Atlântida (Rio), nos anos 50?
Carlos Manga - É indiscutível a
importância desse início. Sofri
grande perseguição dos críticos,
que não souberam entender a beleza daquela ingenuidade, a verdade do diálogo daquela indústria
de cinema com o povo brasileiro.
Folha - As chanchadas eram tidas
como pastiche de Hollywood. Os
críticos não souberam ver ali uma
identidade nacional?
Manga - Eles não perceberam
que o modo de contar não era
hollywoodiano, mas brasileiro. A
Vera Cruz [companhia cinematográfica paulista] apareceu como a
redentora do cinema nacional,
mas não conseguiu se identificar
com o público, sua alegria. Eram
filmes europeus, não traduziam
nossa identidade. Depois veio
uma narrativa de esquerda, distante do público [refere-se ao cinema novo]. A Atlântida criticava
uma sociedade nefasta com humor. O povo ria e entendia. O público entendeu, a crítica não. Hoje, a crítica está mais próxima.
Folha - O sr. acha?
Manga - Sim. Acabamos de fazer
uma minissérie em que mostramos a cultura da formação brasileira e, desta vez, a plebe, a crítica,
os intelectuais, todos apoiaram. A
crítica entendeu que o folhetim
passou a importância desses paulistas que tornaram o país conhecido no mundo todo. Aos 76 anos,
estou muito romântico. Quando
eu teria a chance de ser entrevistado por um dos mais importantes
jornais do país com as minhas
chanchadas? Agora consegui,
usando o meu método de humor.
Folha - Só hoje o sr. se sente reconhecido?
Manga - Reconhecido sou há algum tempo. No início, muito
maltratado. Depois fui reconhecido e virei até cult. Agora é mais do
que isso. Ouvir o taxista na rua falar de Oswald de Andrade [1890-1954] é empolgante. Se pudéssemos fazer mais isso, iríamos conhecer a verdade dos nossos ídolos ou a inverdade dos falsos ídolos. Não quero me estender, porque fico de esquerda demais.
Folha - O sr. se considera uma
pessoa de esquerda?
Manga -Pintei meu bigode para
aplaudir [o líder comunista] Luiz
Carlos Prestes [1898-1990], quando ele saiu da cadeia. Mas um dia
vi Prestes no palanque defendendo um ditador fascista para se eleger senador [em 1945, Prestes
aderiu à candidatura de Getúlio
Vargas, seu antigo opositor]. Não
entendi, porque ele havia matado
sua mulher, grávida, com pontapés na barriga [o governo Vargas
entregou Olga Benário a Hitler, e
ela morreu num campo de concentração, em 1942]. Fui procurar
meu mestre, Mário Lago [1911-2002], comunista convicto. Ele
me disse: "Manguinha, o que importa é o partido. Os sentimentos
baratos temos que deixar de lado". Nesse dia, dei um beijo na
mão dele e desisti de ser de esquerda. Hoje estou vendo que era
tudo bobagem, o Brasil está entregue ao poder que era de esquerda,
e não conheço ninguém mais de
direita do que este governo atual.
Folha - Com o fim da Atlântida, ir
para a TV foi seu caminho natural?
Ou os lugares que passaram a existir no cinema não o interessavam?
Manga - Cansei de levar tanta
paulada de crítico e resolvi trocar
o salário de um mês pelo de um
sábado. E me vendi, fui para a TV.
Folha - Valeu a pena?
Manga - (silêncio). Na resposta,
deixem uma linha em branco.
Não sei. Por um lado, economicamente, ganhei. Por outro, perdi
um pouco do meu ídolo, meu
amor, que é o cinema.
Folha - Acha que a TV se pauta
muito pelos rostos bonitos?
Manga - Há atores que não são
verdadeiros, e outros maravilhosos. Em "Um Só Coração", vi jovens que me entusiasmaram. Tive
momentos emocionantes com a
minissérie. Óbvio, tive outros decepcionantes, porque nem todos
têm o mesmo dom. Apaixonei-me demais por esse trabalho. É o
melhor do qual participei na TV.
Folha - Foi conseqüência dessa
paixão ter defendido Erik Marmo
[criticado em jornais por sua atuação em "Um Só Coração"]? Ou o sr.
o vê como um ator de talento?
Marmo - Ele merecia incentivo,
como eu mereci e não tive quando
comecei. É um iniciante, que foi
jogado num covil de cobras, principalmente aquela "maldita" Ana
Paula Arósio (risos). Ele, coitado,
sofreu as conseqüências de um
rapaz em início de carreira num
grupo muito forte. Não acho que
deveria ser premiado como grande ator, mas deveriam ter um
pouco de paciência com ele.
Folha - A culpa, então, é menos
dele e mais da escalação?
Manga - É. Eu sei, porque posso
me culpar pela escalação. Achei
um casal lindo. Quando vi o teste
dele e da Ana Paula, achei uma
coisa tão bonita fisicamente...
Folha - O sr., que fez a primeira
edição em videoteipe da TV brasileira ["Chico Anysio Show", TV Rio,
1961], fica assustado com a TV sendo transmitida por celular?
Manga - Não. Quando iniciei isso todo mundo se assustou. Depois daquele passo, o resto é conseqüência. Na madrugada do dia
da experiência, fomos para o vídeo trabalhar. Tentamos de todas
as maneiras, até que descobrimos
uma que deu certo. Foi a primeira
e, graças a Deus, a última vez em
que dei um beijo na boca de um
homem. Nós nos abraçamos feito
duas bichas românticas, dentro
de uma salinha de videoteipe. Foi
uma loucura (risos).
Folha - Seu projeto é encerrar sua
carreira com um filme?
Manga - Não sei se vou conseguir, mas é o que eu mais desejo.
Cinema para mim é minha mãe.
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