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Inteligência artificial
PIONEIROS NO USO DE ELEMENTOS ELETRÔNICOS NA MÚSICA, KRAFTWERK VÊM AO BRASIL EM NOVEMBRO
Em entrevista exclusiva à Folha,
Ralf Hütter, fundador do grupo alemão, diz como será o show, fala sobre o conceito de "homem-máquina" e explica sua paixão pelo ciclismo
THIAGO NEY
DA REDAÇÃO
No começo era o Kraftwerk.
É humanamente impossível
dissociar de qualquer coisa produzida eletronicamente nos últimos 30 anos a influência desses
alemães, que injetaram na música
o conceito "homem-máquina".
Beatles e Elvis à parte, nenhum
artista ou banda foi tão decisivamente importante para a evolução do mundo pop quanto o
Kraftwerk. Com a diferença de
que este último permanece quase
como um enigma.
Criado em 1970 por Ralf Hütter
e Florian Schneider, o grupo alterou parâmetros ao utilizar sintetizadores e computadores no processo de criação de música. Entre
74 e 81, produziu uma seqüência
de cinco álbuns ("Autobahn", 74;
"Radio-Activity", 75; "Trans-Europe Express", 77; "The Man Machine", 78; "Computer World",
81) soberbos; dificilmente encontra-se paralelo na história do pop.
Ainda assim, não é muito o que
se sabe sobre o hoje quarteto.
Vêm de Düsseldorf, onde construíram o estúdio KlingKlang. E
são, Hütter e Schneider, fanáticos
por ciclismo.
Raramente o Kraftwerk dá entrevistas ou posa para fotos. No
ano passado, o jornal britânico
"The Guardian" enviou repórter à
cidade alemã para desvendar os
segredos do Kraftwerk. O jornalista passou dias no local, entrevistou moradores, donos de lojas
de disco e de artigos para bicicletas e... nada. Não conseguiu
nem achar o KlingKlang.
Em 2003, após hiato
de 17 anos, lançaram "Tour de
France Soundtracks", disco-homenagem à competição ciclística francesa.
Pois o Kraftwerk está de
volta. De volta ao Brasil,
onde realizou show histórico em 1998. Em 7 de novembro, o grupo toca no Tim Festival,
em São Paulo. No dia seguinte, se
apresenta em Brasília.
E, na última quinta, Ralf Hütter
conversou com a Folha, por telefone, de Düsseldorf.
Folha - Há sempre uma expectativa em torno do Kraftwerk. O que
vocês estão fazendo?
Ralf Hütter - Estamos finalizando a remasterização do catálogo
do Kraftwerk. E há três ou quatro
semanas voltamos de uma turnê.
O último show foi em Moscou.
Folha - Há planos para novo CD?
Hütter - Claro. Mas primeiro vamos terminar essas remasterizações, finalizar a arte, estamos escolhendo fotos antigas. Acho que
o resultado será muito bom. Depois trabalharemos em faixas novas. Já testamos algumas. Estamos experimentando.
Folha - Vocês tocaram no Brasil
em 98. Como será o show de 2004?
Hütter - Foi uma experiência incrível em 98. Nós do Kraftwerk
viemos de outro ambiente, mais
industrial. A reação das pessoas
foi fantástica. O próximo show sede "Tour de France", músicas que
não costumamos tocar, teremos
novos equipamentos, laptops,
elementos gráficos.
Folha - Você iniciaram o Kraftwerk no final dos anos 60...
Hütter - Em 1968. Eu e Florian
montamos um grupo chamado
Organisation. Em 1970, montamos o estúdio KlingKlang e formamos o Kraftwerk.
Folha - Vocês praticamente iniciaram a música eletrônica como a
conhecemos. Como você vê hoje esse tipo de música? Tem orgulho do
que ajudou a criar?
Hütter - Sim, claro, vemos a reação das pessoas pelo mundo. Na
última turnê tocamos nos EUA,
Canadá, Rússia, Eslovênia, Hungria, países que nunca tínhamos
visitado. Para nós isso é fantástico, a linguagem eletrônica é universal, essa sempre foi a nossa
missão. A música de hoje deve ser
feita com as ferramentas de hoje.
É a realidade de hoje, vimos isso
na tour pelo Japão e seis anos
atrás no Brasil. Vocês têm uma
música acústica muito variada,
mas mesmo assim a reação ao
Kraftwerk foi muito forte.
Folha - Por que a música do Kraftwerk, após 20, 30 anos ainda é considerada atual?
Hütter - Acho que por causa das
composições... Nós fazemos como que uma música-filme e incrementamos com outra energia.
Por exemplo, "Autobahn" ou
"Trans-Europe Express" são como conceitos, não é apenas música nota por nota; faz parte de um
contexto sociológico...
Folha - Sobre os artistas e produtores de hoje, você gosta?
Hütter - Sim. Temos relações
com o pessoal do electro, gente de
Tóquio ou Detroit. Nos levam para clubes, às vezes até dançamos
com nossos passos de robô...
Folha - O Kraftwerk é influência
enorme para artistas de hoje. Por
Hütter - Pelo mundo dos sons. De
carros a trens a computadores,
sons humanos, como batidas de
coração, respiração, por várias
linguagens. Gravamos em alemão, em inglês, há letras em latim. Trabalhamos na verdade
com diferentes linguagens.
Folha - Você é conhecido pela paixão por ciclismo. Como relaciona o
ciclismo com o conceito "homem-máquina" que vocês defendiam
nos anos 70?
Hütter - [O ciclismo] é uma representação do homem e da máquina em harmonia. Guiando a
bicicleta você deve utilizar o corpo, a inteligência, a técnica. É o
mesmo com a música. Você fica
em harmonia com seu corpo. Para nós é como um treino perfeito
quando não estamos no estúdio.
Folha - É verdade que "Autobahn" é uma resposta a "Fun Fun
Fun", dos Beach Boys [pela mútua
procura do perfeccionismo, o Kraftwerk já foi chamado de Beach Boys
de Düsseldorf]?
Hütter - Não exatamente. A idéia
daquela música veio quando, no
início do Kraftwerk, nós percorríamos muito uma autobahn [auto-estrada] pela Alemanha, de
universidade a galerias de arte, de
cidade a cidade, e, depois dos
shows, voltávamos a Düsseldorf,
pois não tínhamos dinheiro para
dormir em hotéis. Viajávamos no
meu Volkswagen e pensávamos:
"Algum dia alguém vai tocar nossa música num rádio de carro".
Daí que veio o conceito [verso
da canção] "Fahr'n fahr'n fahr'n
auf der Autobahn" [dirigindo, dirigindo, dirigindo pela superestrada; sonoramente, em inglês, é
como "fun fun fun on the Autobahn"]. Naquela canção, os sintetizadores são como imitações do
motor de um carro, criando sons
como os de um carro. É uma fantasia tecno.
Folha - Muita gente considera o
Kraftwerk uma lenda da música, dizem que vocês são mais influentes
do que os Beatles. Você tem idéia
desse culto em torno do Kraftwerk?
Hütter - Sempre pensamos em
compor música para o futuro.
Sempre nos concentramos muito
em nosso trabalho no KlingKlang. Para nós isso é fantástico,
pois, como disse antes, no começo tocávamos em espaços pequenos e hoje viajamos o mundo com
todo o nosso equipamento e vemos a reação das pessoas.
Folha - O KlingKlang é como uma
casa para vocês...
Hütter - É o nosso "laboratório
eletrônico".
Folha - E nesse laboratório eletrônico vocês se afastam completamente do mundo: não têm telefone, fax, recepcionista, não recebem
correspondências... Por que vocês
preferem manter o mundo afastado do KlingKlang?
Hütter - Porque é o nosso laboratório. Nós fechamos as portas, o
ambiente fica quieto e aí podemos
nos concentrar apenas na música,
no projeto Kraftwerk. Hoje existe
um problema sério: todos têm celulares, ninguém consegue se
concentrar. Então vamos ao estúdio, fechamos as portas e, por algumas horas, mergulhamos fundo na música. Acho que isso é o
mais importante no Kraftwerk.
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