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Comida
Pernambuco com açúcar
Doçaria do Estado é celebrada em restaurantes paulistanos, que servem delícias históricas como o
bolo Souza Leão e o bolo-de-rolo
JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL
Foi num engenho de açúcar,
no interior de Pernambuco,
que nasceu um dos bolos mais
emblemáticos da culinária nordestina, o Souza Leão. Receita
familiar mantida em sigilo por
muitos anos, o bolo foi reconhecido no início deste mês
como Patrimônio Cultural e
Imaterial do Estado -ao lado
de outro orgulho pernambucano, o bolo-de-rolo.
A partir de hoje, os dois -e
também o bolo pé-de-moleque,
as compotas de caju e de jaca e
sequilhos nordestinos, como o
tareco e a garra sertaneja, além
de pratos salgados- poderão
ser provados no restaurante
paulistano Obá. Até o dia 29, a
cozinheira Beth Ithamar vai
preparar as delícias do Estado
que ela, paraibana, adotou ainda jovem.
Poder e riqueza
"Durante quatro séculos, a
economia foi baseada na cana e,
evidentemente, o desenvolvimento dessa doçaria [pernambucana] foi natural", explica à
Folha o historiador Evaldo Cabral de Mello. "Até meados
do século 17, o Brasil tinha
praticamente um monopólio
da produção de açúcar."
Segundo o chef Francisco
Rebêlo, professor da Universidade Anhembi-Morumbi, por
meio de uma mesa farta em doces, mostrava-se poder e riqueza. "No início do ciclo da cana, o
açúcar era caro, restrito a poucos. Não tinha essa fartura de
hoje. Sem falar no lado lúdico.
Oferecer um doce representa
mais que oferecer qualquer outro alimento, porque você manifesta afeto e carinho, como se
estivesse dando um abraço,
matando a carência", diz.
Em "Açúcar", Gilberto Freyre conta que conseguiu várias
receitas do Souza Leão, todas
com contradições entre si, a
ponto de ficar em dúvida sobre
a "existência de um bolo Souza
Leão ortodoxo". "Consegui-as
quase como quem violasse segredos maçônicos", escreveu.
Em todas, no entanto, estão
sempre presentes um bom tanto de açúcar (a parcimônia passa longe), gemas, leite de coco e
massa de mandioca (a puba, do
tupi fermentado). O que varia
de uma para a outra são as
quantidades e, ocasionalmente, a adição de um ingrediente.
Malas de comida
Foi por saudade do Souza
Leão e do bolo-de-rolo -numa
explicação um tanto romântica, mas justificada- que três
pernambucanos radicados em
São Paulo tiveram a idéia de
abrir aqui um restaurante onde
estes e outros sabores do Estado tivessem sempre ao alcance
do boca. "A gente sempre mandava buscar malas de comida",
conta Adriana Barros, uma das
sócias do Cordel.
Hoje, até o trabalhoso bolo-de-rolo -em que camadas finíssimas de uma massa de farinha de trigo, manteiga, ovos e
açúcar são espalhadas em assadeiras baixas e, depois, enroladas com doce de goiaba- é feito
no próprio restaurante.
No restaurante Mocotó, as
compotas de jaca e de caju, "importadas" do sertão pernambucano, de onde veio o fundador
da casa, Zé Almeida, ganharam
há menos de um mês a companhia de um pudim de tapioca
com calda de coco queimado.
"Eu quero ver o povo comendo
pudim de tapioca. A vida não é
só pudim de leite, não", brinca o
chef Rodrigo Oliveira.
No cardápio do café pernambucano que o chef planeja abrir
na Vila Medeiros (junto do Mocotó), não faltarão, diz ele, outros doces do Estado, como o
Souza Leão, o bolo-de-rolo e
bolo pé-de-moleque. "Tradicionalmente, quem os consumia era a parte aristocrática de
Pernambuco. No sertão, quem
mandava eram os bolos de puba e os doces de corte."
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