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LIVROS
"Eu Fui Vermeer" testa limites da crítica
Para jornalista, falsificação do holandês Han Van Meegeren ajudou a tornar Vermeer "estrela" do porte de Rembrandt
"Dizem que Van Meegeren pôde ter sucesso durante a Segunda Guerra porque era mais difícil autenticar pinturas, mas não é verdade"
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma das formas mais tentadoras de descrever o falsário
Han van Meegeren (1889-1947)
é retratar um artista ressentido
com os críticos, que usa seu talento irrealizado para debochar
do mundo artístico.
Mas Frank Wynne evita a armadilha. Para o jornalista irlandês, como disse à Folha,
Van Meegeren é do tipo "que
tem talento técnico, mas nada
a dizer com sua própria arte".
Diferente, segundo Wynne, de
nomes como Geert Jan Jansen
ou Eric Hebborn, "que gostam
do desafio de imitar o estilo de
outros artistas, enganando os
críticos, jogando com o prejuízo e com as esperanças deles".
Isso não quer dizer que o autor não mostre uma personalidade ímpar em uma Europa
que sucumbia com a guerra.
"Alguém como Van Meegeren,
que tenta falsificar "velhos
mestres", precisa ser um historiador, artista, químico e sobretudo mentiroso, criando histórias plausíveis e documentos
que justifiquem a procedência
para um trabalho que nunca
existiu", diz.
O calcanhar-de-aquiles do
falsário foi o "seu" Vermeer
"Cristo com a Mulher Surpreendida em Adultério", vendido (não diretamente) para
Hermann Göring, braço-direito de Hitler. Depois que a guerra acabou, o holandês ficou numa situação difícil e acabou
preso. Ou tinha vendido a obra-prima para os nazistas (crime
gravíssimo), ou confessava a
falsificação e se assumia como
um escroque. Acabou confessando, mas daí precisou convencer os próprios críticos que
pouco antes tinham saudado e
autenticado com convicção os
Vermeers redescobertos.
Natural portanto que a história desse holandês afável, bon-vivant, viciado em morfina, tenha virado um calcanhar-de-aquiles também para a crítica.
Wynne, que também é tradutor e verteu para o inglês o iconoclasta escritor francês Michel Houellebecq, recheia seu
livro com citações bem-humoradas. Para sorte do leitor, o autor teve a esperteza de dar graça a todo o anedotário que cerca o caso, inclusive a suposta
reação perplexa de Göring, na
prisão, ao descobrir que seu
maior tesouro era uma fraude.
Diz a lenda que nesse momento "se deu conta da existência
do mal pela primeira vez".
O caso Van Meegeren não é
desconhecido nem inédito,
mas é um dos mais emblemáticos, além de saboroso. Contando a mesma história, por exemplo, também está saindo nos
EUA "The Forger's Spell" (o
feitiço do falsificador, Harper,
368 págs., US$ 26,95, cerca de
R$ 43 mais frete), de Edward
Dolnick. "Dizem com freqüência que Van Meegeren pôde ter
sucesso durante a Segunda
Guerra porque era mais difícil
autenticar pinturas, mas não é
verdade. As carreiras de Elmyr
de Hory nos anos 50, de Eric
Hebborn e Tom Keating nos
anos 70 e de John Myatt ou
Geert Jan Jansen nos anos 90
superaram em muito a mera
contribuição de sete falsificações", diz Wynne.
São personagens que desestabilizam a autoridade dos especialistas e podem virar do
avesso um "mundo de investimento, leilões e publicidade",
como define Wynne o mercado
de arte. Além disso, freqüentemente são interessantes, como
o Hory citado acima, o protagonista do genial "F for Fake"
(1974), de Orson Welles, ele
mesmo um notório "falsificador" que testou os limites entre
verdades e mentiras no rádio.
E no caso do holandês, há
ainda a personalidade do próprio Vermeer (1632-1675), que
tem só 35 telas reconhecidas e,
acredita Wynne, teria se beneficiado postumamente da ação
do compatriota. "O que tornou
Vermeer uma "estrela" do porte
de Rembrandt é o fato do crítico Thomas Bodkin, em 1940,
ter chamado de "descoberta
sensacional" a "soberba" "Ceia
em Emaús'". "Ceia em Emaús",
obra-prima que saiu dos pincéis de Van Meegeren. Obra-prima?
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