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Escritor austríaco lança novo romance, com uma utopia sobre o tempo
Peter Handke na terra de Cervantes
CECILIA DREYMULLER
DO ""EL PAÍS"
Peter Handke, 61, acaba de publicar ""Der Bildverlust oder
Durch die Sierra de Gredos" (A
Perda da Imagem ou pela Sierra
de Gredos), obra que é fruto de
uma ""decepção fértil" e da nostalgia de uma convivência feliz. Na
entrevista que segue, o antigo escritor cult de esquerda diz que se
sente o último dos utópicos. Em
seu romance, ele homenageia o
vazio da paisagem espanhola.
Na mesa de madeira do jardim
de sua casa em Paris, onde Peter
Handke (nascido na Áustria, em
42) escreve, se espalha uma curiosa natureza-morta de ferramentas
de escrita e objetos encontrados
durante passeios na floresta.
Pergunta - Ler ""A Perda da Imagem" é como ler todos seus livros
em um só.
Peter Handke - A intenção não
foi essa. O que eu queria era escrever sobre uma mulher, uma banqueira poderosa, que tem uma
profissão que, no fundo, não é
aproveitável em termos literários
-menos ainda para uma epopéia, que era o que eu tinha em
mente. Quem pode ser herói hoje
em dia? Eu senti a tentação da
contradição entre a profissão rara
dessa mulher e um amplo movimento narrativo, a senti como
apenas teria me sentido tentado
narrar uma história de feitos heróicos da época medieval.
A partir desse momento, tudo
era possível -num instante, ela
passa de uma existência real e racional à existência onírica. Passa
do público ao privado, numa
oposição que me pareceu fértil.
Pesquisei longamente, conversei com muitas mulheres, mas depois omiti o que elas me disseram.
Mesmo assim, é tudo real, embora não realista -real na medida
em que essa mulher poderia existir de fato, coisa que me parece
muito mais importante do que o
realismo. E, por outro lado, ela
chega a um lugar afastado do
mundo, onde, de repente, encontra pessoas que conhecem sua vida profissional e cotidiana.
É a idéia de encontrar pessoas
do trabalho, na qual eu insisto e
da qual sou inimigo em minha vida diária material, e de repente tudo acontece de maneira diferente,
porque o lugar, o ritmo do movimento e também o tempo são distintos (embora seja o tempo de
agora, ele se converte em outro).
As pessoas se comportam de maneira diferente quando estão fora
de seu ambiente habitual, especialmente quando chegam a esse
lugar por seu esforço próprio. Este último ponto é muito importante. É muito importante que tenham sido elas mesmas que se
puseram em marcha.
Pergunta - A questão do tempo é
uma constante que varia no decorrer do livro e que parece ser cada
vez mais importante em sua obra.
Handke - O tempo é algo incrivelmente instigante. O que é o
tempo? Não sei. Como se pode
manipular o tempo sem cometer
um engodo? É uma matéria que
os humanos não usam de maneira apropriada, é uma aventura. De
qualquer maneira, é preciso estar
alerta para quando pode chegar o
outro tempo. É como uma baía na
história da humanidade. Uma
baía do utópico, algo que já desapareceu por completo da literatura. Às vezes eu me sinto como o
último utópico dos tempos atuais
-pelo que sei, mas com certeza
deve haver milhares. A utopia se
tornou algo muito difícil, em especial a utopia épica; talvez ainda
seja viável na poesia. Isso se dá
porque a utopia é facilmente confundida com a literatura new age
ou fantástica, como ""O Senhor
dos Anéis". O que se pode fazer
quando minhas projeções utópicas, que estão na obra desde o início, agora se confundem com o
new age ou com uma religiosidade indevidamente apropriada?
Pergunta - Entretanto, a utopia
se anuncia desde as primeiras páginas. A banqueira encontra em Hondareda um mundo ao revés que é
também um mundo melhor.
Handke - Sim, é definitivamente
um mundo melhor. O romance
inteiro é resultado de minha decepção fértil e da nostalgia de uma
convivência generosa, terna. Foi
uma grande alegria para mim
projetar essa gente ali, naquele
desfiladeiro gigante, pessoas que
realmente procuram ser vizinhos
da maneira melhor que se imagina, vizinhos carinhosos. Muitas
vezes, quando passeio pelos bosques aqui, penso nas pessoas de
Hondareda, como se existissem
de verdade, como se formassem
uma grande comunidade.
E, embora essa comunidade
ainda não exista, já é algo que pelo
menos está no livro. Se o sonho
confere o ritmo à racionalidade,
isso é a escrita. Desde já, entretanto, só se pode fracassar com uma
coisa assim. Fracassei com todos
meus livros. ""Versuch über die
Jukebox" (Ensaio sobre a Jukebox), ""Versuch über die Müdigkeit (Ensaio sobre o Cansaço) ou
""Lucie im Wald mit den Dingsda
(Lucie no Bosque com as Coisas
de Lá) -com toda sua marginalidade, de alguma maneira são pequenas obras-primas. Mas fracassei com o resto.
Com minha novela de formação, ""Der Kurze Brief zum Langen Abschied" (Uma Breve Carta
para um Longo Adeus), tudo é
quebradiço, nada acerta o tom, se
bem que, por outro lado, acerte
alguma coisa. Ou, então, "A Repetição", que escrevi em memória
dos irmãos de minha mãe: fracassei também nisso. Tudo ficou em
fragmentos.
Pergunta - Segundo Faulkner, o
romancista deve ser julgado pelo
esplendor de seus fracassos.
Handke - Sim, mas ele precisa
convencer por sua sinceridade,
por sua nostalgia e precisa ser meticuloso. Tenho a sensação de que
""A Perda da Imagem" é uma história tão descabelada que não pode caber nos tempos atuais. A
utopia e o conto de fadas não são
o que as pessoas querem. Kierkegaard já dizia que as pessoas estão
desesperadas por não poder fugir
da banalidade do dia-a-dia, mas
esse dia-a-dia as ajuda a dissimular seu desespero. Se eu tivesse
que transpor o mundo material
para uma novela do século 19, ou
mitificá-lo, como faz García Márquez, seria incapaz, não teria linguagem nenhuma para isso. Parto
só de minhas pesquisas. Assim, a
realidade histórica se vê desde
longe, mas vibra na narrativa.
Pergunta - O personagem do escritor em sua novela escreve a história da banqueira por encomenda
e está satisfeito com essa condição.
Handke - É bom receber uma encomenda. Acho horrorosa a maneira como os escritores se comportam hoje em dia. Todos se tornaram tão oficiais, agem como
dignitários, como cardeais. Isso
nunca deveria acontecer com um
escritor. Eles dão entrevistas
constantemente; em um momento estão no Iraque, depois em Sarajevo ou no Peru. Estão em toda
parte e precisam escrever artigos
para os jornais. Não sinto nenhuma confiança nessas pessoas.
Pergunta - Seus livros costumam
ter um padrinho literário. Por que a
escolha de "Dom Quixote" para padrinho de ""A Perda da Imagem"?
Handke - Na realidade, é um ato
de agradecimento à paisagem espanhola. As paisagens em ""Dom
Quixote" aparecem de maneira
tão fabulosa, e, ao mesmo tempo,
tão concreta, como raras vezes já
se leu. Ainda hoje, quando percorro as paisagens espanholas e
vejo uma dessas propriedades semidestruídas, sou obrigado a me
lembrar de ""Dom Quixote". No
fundo, ""Quixote" não combina
com meu livro, porque ""A Perda
da Imagem" não tem nada de irônico, e por isso não existem muitas alusões à obra de Cervantes
em meu livro, mas, ao final, faço
uma reverência a ele e tiro o chapéu que não tenho.
DER BILDVERLUST (A Perda da
Imagem). Autor: Peter Handke. Editora:
Suhrkamp. "La Pérdida de la Imagen",
editora: Alianza Editoral. Onde
encontrar: www.amazon.de e www.casadellibro.com. Quanto: cerca de R$
100.
Tradução Clara Allain
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