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Padrões da moda contradizem gosto nacional e se opõem à beleza da vida real
Carne e osso
ERIKA SALLUM
ANDRÉ DO VAL
FREE-LANCE PARA A FOLHA
É temporada de moda, entra em
cena um tipo especial de beleza.
Meninas que muitas vezes são
chamadas de "esqueletos", "esquálidas", "famintas" e que na
adolescência receberam todo o tipo de apelidos relacionados à magreza. Adolescentes, transformam-se em tops nas passarelas
do Brasil e do mundo. No universo fashion, só entram meninas peso pena de, no mínimo, 1,75 m de
altura, quadril até 90 cm e pernas
longilíneas.
"A magreza é imprescindível
para o bom caimento da roupa",
diz o booker Alexandre Gomes,
da agência de modelos L'Equipe,
a mesma da supertop Jeisa Chiminazzo (incríveis 1,78 m de altura e
quadril com 86 cm). "Num desfile, uma mulher assim dá leveza e
elegância à criação do estilista.
São ótimos cabides."
Não basta ser magra, é preciso
ser magérrima, com manequim
transitando entre 36 e 38, salvo raríssimas exceções. "Trata-se de
matemática pura e simples: quanto mais magra, melhor. Mas tem
de ter corpo bonito, tipo a Ana
Hickmann", diz Eli Hadid, da
agência Mega.
Na vida real, entretanto, a história é outra. O que conta são coxas
grossas, seios fartos, quadril (melhor dizendo, bunda) e, como se
diz, "o que pegar". "Como homem, é muito melhor uma pessoa
mais cheinha. Elas são muito esquálidas. Braço fino...", diz Mauricio Celico, que passeava pelos
corredores da São Paulo Fashion
Week na última quinta à noite.
Uma das sensações do momento na cidade é justamente a carioca Danielle Winits, em cartaz em
São Paulo com o espetáculo teatral "Chicago", com 54 kg desigualmente espalhados por 1,66 m
de altura, concentrados em 94 cm
de busto e quadril, duas vezes capa da "Playboy".
"Podem falar o que quiser, mas
o brasileiro gosta é mesmo de mulher com curva", diz o redator-chefe da revista, Ricardo Villela.
"De 30 anos para cá, a única mudança é que o público masculino
agora curte seios maiores, só." Na
última edição da publicação, foi
divulgada uma pesquisa em que
41% dos homens confirmavam
que a bunda é a parte mais amada
da anatomia feminina.
"Estampar algumas dessas magrelas na capa seria encalhe total.
O povo quer perna grossa, bumbum empinado", afirma Edson
Aran, diretor de Redação da
"Sexy", cujas musas favoritas dos
leitores são, ainda, Tiazinha e Viviane Araújo (a morena namorada do cantor Belo). "Não tem nada a ver com o mundo real esse
"Auschwitz fashion"."
Versões de corpo
Desde que surgiram, no início
do século passado, as modelos
sempre foram esbeltas. Mas o estilo dos corpos ganhou variadas
versões ao longo das décadas.
"Num desfile, as roupas precisavam ser vistas da passarela por
qualquer pessoa da platéia, então
se percebeu que as manequins tinham de ser grandes", conta Kathia Castilho, professora de história da moda da Universidade
Anhembi-Morumbi.
O resultado disso foi a imposição de padrões de beleza rígidos e,
muitas vezes, cruéis. "A indústria
da moda vendeu uma estranha
idéia de que gordura é feio, e ninguém questiona isso na sociedade
em que vivemos", diz Maria Lucia
Montes, professora de antropologia da USP. "Enquanto na Renascença estar acima do peso significava abundância e riqueza, hoje
ter corpo de modelo virou sinônimo de distinção social, de status.
É uma triste ditadura."
Pelo menos fora do universo da
moda, o estilo gostosona parece
que vem ganhando cada vez mais
adeptos, inclusive entre as mulheres. Principalmente depois que
gente, digamos, mais encorpada
caiu nas graças do público. Quem
não se lembra da musculosa Daniela Cicarelli chamando a atenção entre as franzinas modelos
em um recente desfile de moda
praia da São Paulo Fashion Week?
Endocrinologista de famosos
paulistanos, o médico Maurício
Hirata diz que já se foi o tempo
em que suas pacientes o procuravam querendo emagrecer a qualquer custo. "Elas desejam hoje ser
mais fortes, mais definidas e saradas", diz ele.
As refeições baseadas em saladas e filé de frango dão lugar a
muita proteína, para alimentar e
manter os músculos, e exercícios.
"Os conceitos de beleza estão mudando rápido. Ninguém mais
quer ter aquele físico anoréxico.
Essa onda já passou."
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