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Funkeira ganha status de diva electro em SP
DA REPORTAGEM LOCAL
O Rio é samba e funk, São Paulo
é tecno e electro. E Tati Quebra-Barraco viajou de lá para cá para
colocar em curto-circuito a separação entre os dois mundos, como demonstrou sua inusitada
passagem pelo palco underground d'A Lôca, na quarta-feira.
Trazida à cidade pela marca Cavalera, a troco de passagem de
avião e uma noite de hotel, Tati
topou a proposta de última hora
de cantar ali sobre bases atiradas
pelo irmão -e sob cachê de R$
1.000, segundo a Cavalera.
Chega às 22h30, bem antes de a
boate abrir. Pede licor Amarula
(havia feito o mesmo pedido à
tarde, na São Paulo Fashion
Week, mas só conseguiu garrafinhas de champanhe, como se fosse uma diva electro que nem sabe
que é). Espera pacientemente.
O povão da moda começa a chegar a partir da meia-noite, quando um coquetel VIP se abre no
andar de cima da boate. Tati permanece ali quieta, sentadinha ao
lado do irmão. Uns se aproximam
para conversar, tímidos. Tímida,
ela responde em poucas palavras.
Na hora do show, sobe com o
microfone num punho, um copo
de cerveja no outro. A voz esganiçada ataca os funks. Ela está nervosa, o molejo fica só latente.
Mas o inesperado faz uma surpresa. Cada um de seus refrões
pornôs é entoado em coro e de
cor pelo público de amantes de
moda, música eletrônica, electro e
champanhe. A veia do funk carioca, que não gosta de música eletrônica, vira presa dos dentes caninos dos devotos do auto-exílio
electro paulistano, que não gostam de samba pop brasileiro.
Mesmo em estado de choque
cultural, os olhos de Tati crescem
de emoção. Os dos espectadores,
idem. Ela volta ao Rio sem entender que gente é aquela que gosta
de sua música, o que aconteceu.
Quem fica também não entende.
Mas, afinal, como uma "favelada, preta, pobre, polêmica" conquistou poder a ponto de atrair o
fascínio do mundo "moderno"
que orbita nestes dias em torno da
São Paulo Fashion Week?
A idéia partiu do núcleo de criadores jovens da coligação entre o
coletivo Cooperativa da Kombi e
a marca Cavalera, aos quais se integram, para o desfile, os DJs Edu
Corelli e Luis Depeche. O espírito
que toma conta é meio "Diários
de Motocicleta", meio festa junina
de Lula -de todo modo politizado, em busca de identidade.
Os "sete Cavaleras" e os DJs
misturam xales peruanos, bolsas
em formato de porquinhos e vaquinhas de sítio, sons remixados
de Menudo, lambada, Gal Costa,
Luiz Caldas, Ricky Martin, Ney
Matogrosso, tecno-samba e outros ícones pan-americanos.
Tati fecha a trilha do desfile,
com o mote funk "não gosto de
peru pequeno" e uma inédita cujo
refrão quase suíno repete "óin,
óin, óin". A viagem ao coração da
América de baixo deságua no
morro carioca, no quintal de casa.
Ao ser instado a explicar o que
Tati tem a ver com SP Fashion
Week, o DJ Corelli, 38, é ácido: "É
porque aqui todo mundo é feio,
mas acha que está na moda".
Elo de ligação entre a Cavalera e
a cooperativa, Ricardo Gonzalez,
36, resiste à idéia de que haja um
discurso político por trás do convite a Tati. Mas afirma: "O Brasil
sempre foi visto pelo mundo como um suvenir. Ainda é, mas hoje
é mais ácido, tem discurso".
"A trilha uniu as três divas da
música brasileira, Gal, Bethânia e
Tati. Cada época tem a diva que
merece", provoca Adriano Costa,
29, um dos criadores coligados.
Mas não é tranqüila a passagem
da funkeira pelo evento. Nos bastidores pré-desfile, discute-se a
possibilidade de que Tati cante algo ao final. Ela reage com susto.
Descobrem que o experimento
causará microfonia. Desistem,
mas pedem que Tati acompanhe
a equipe no giro final para receber
os aplausos. Ela assusta de novo.
Vendo-a em lugar de destaque
na platéia, o diretor da SPFW,
Paulo Borges, quer saber quem é a
moça. Tati não desfila. O papel de
figura de decoração é compartilhado por outro convidado da Cavalera, o roqueiro Serguei, 70, que
veio do Rio no mesmo vôo. O ex-namorado de Janis Joplin aprecia
a simpatia da funkeira, mas não a
aceita como atualizadora anos
2000 da atitude rock'n'roll.
"Não é rock, com certeza não é
mais sexo do que eu. Odeio funk
carioca. Essas letras são o fim da
civilização, o cúmulo da falta de
respeito", crava o eterno roqueiro-rebelde-marginal.
O evento acaba, sem que a estrela conheça sombra do entusiasmo
que causará mais tarde n'A Lôca.
"Adorei", ela avalia -e mais não
fala. Mesmo ensangüentada, Tati
Quebra-Preconceito se safou de
mais uma.
(PAS)
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