São Paulo, quarta-feira, 20 de junho de 2007 |
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"O entrevistador é um ruído", diz Faro
Apresentador do "Ensaio" completa 80 anos amanhã e ganha especial na Cultura, com participação de Paulinho da Viola
THIAGO NEY DA REPORTAGEM LOCAL RONALDO EVANGELISTA COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
O programa "Ensaio", iniciado em 1969 na Tupi e hoje exibido nas noites de quinta-feira
na Cultura, tornou-se um marco tanto da televisão quanto da
música brasileira. De Elis Regina a Tim Maia, de Chico Buarque a Racionais MC's, praticamente todos os mais conhecidos rostos da MPB foram focalizados em close pelas câmeras
do programa, em entrevistas
em que não se ouve as perguntas do entrevistador, apenas as
respostas do entrevistado.
FERNANDO FARO - Li uma vez, acho que foi Marshall McLuhan [teórico dos meios de comunicação], que a gente tem que ter cuidado com a informação e com o ruído da informação. O apresentador é um ruído enorme, um barulho enorme numa entrevista. Resolvi fazer isso depois de uma entrevista, em 1959, com um bandido chamado Jorginho. Eu estava no telejornal da TV Paulista quando o Jorginho foi preso. Fui na delegacia entrevistá-lo. Disseram: "Você não pode entrar na cela". Dei o microfone para o Jorginho e fiquei do lado de fora, com o gravador. E comecei a perguntar várias coisas. Peguei o material, que tinha apenas as respostas dele, e editei. Gostei daquilo. E comecei a fazer tudo com esse formato, só com o entrevistado falando. FARO - A idéia dos closes também veio do McLuhan. Ele dizia que uma [tomada] geral de televisão é só uma imagem. Você não vê nada. Você comprova isso em um jogo de futebol: você não sabe como é a cara dos jogadores. Aí eu disse: "A solução é o close e o meio-close". Eu lembrava também que Picasso usava close e meio-close. FARO - Gravei programa com o Vinicius de Moraes, o Martinho da Vila, que foi um escândalo. Tinha acabado de fazer com o Vinicius. Quando disse que ia fazer programa com o Martinho, os caras começaram a virar a cara. Mas o programa do Martinho deu uma barbaridade de audiência. O do Vinicius tinha dado 45, 48 pontos. O do Martinho deu uns 60. Naquele tempo [meados dos anos 70], colocava-se muito acadêmico na TV. Eu coloquei gente da rua. Depois que deu audiência, todo mundo se acalmou. FARO - Fiz os festivais da Tupi, pois fui o diretor musical da TV de 1968 a 1972. Uma vez chegou alguém e disse: "O general mandou te chamar". O general era o encarregado da censura. Num programa, o "Móbile", eu coloquei uma água-viva, sem texto, sem nada, e uma mão jogando sal, que dissolvia a água-viva. Disse: "General, não tinha texto, não tinha música". E ele: "É, mas a gente te conhece. Você estava querendo dizer que a água-viva é o povo, e o sal é o governo que esmaga as pessoas". FARO - Sempre me preocupei com o tamanho deste país. Sou de Sergipe. Tinha coisas lá que o país todo tinha de saber. A TV pública deve cobrir as manifestações [culturais] que acontecem no país. São regiões heterogêneas, multiculturais, cada uma tem coisas para mostrar. FARO - Uma vez eu cheguei pro Briamonte, que foi o primeiro maestro do Eduardo Gudin, para fazer um arranjo. Disse: "Bria, é o seguinte: você está deitado, dormindo, aí acorda e uma escola de samba vem passando. Ela vem descendo, passa e vai embora". Ele me disse: "Nunca vi ninguém fazer arranjo com uma imagem". FARO - O Chico Buarque era muito tímido. Ele não olhava para a câmera. Diziam que ele tinha olhos bonitos, então botei a câmera no chão. O Chico não falava. O Milton era igual. FARO - Tem duas pessoas que
eu queria levar ao programa e
não levei. Uma é a Hebe Camargo. Um tempo atrás estive
com ela e disse: "E o programa?". "Não vai dar para fazer,
eu estou velha, não vou agüentar aqueles closes." Eu disse
que fazia do jeito que ela quisesse, não precisava dos closes.
FARO - A Elis viveu em minha
casa um tempo. Ela sempre foi
assim, estava conversando com
você e de repente ficava vesga
se não gostava de algo. Uma vez
foi um cara lá em casa me vender um carro. Ela ficou olhando
e começou a ficar vesga. Aí eu
cheguei e falei pro cara: "A gente conversa outra hora". Cheguei pra Elis e perguntei o que
houve. Ela: "Pô, você não viu a
aura desse cara, ele não presta". |
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