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JOÃO PEREIRA COUTINHO
A gentileza de estranhos
O Rio é a cidade mais prestativa do mundo, seguida por San José (Costa Rica) e Lilongwe (Malawi)
O RIO de Janeiro está de parabéns. Leio na edição européia do "Financial Times"
que o Rio não é apenas a cidade do
futebol e do samba. Também lá existe fraternidade.
Eu já sabia do fato por experiência
própria. Mas agora a tese adquire
contornos científicos: Robert Levine, psicólogo da universidade estadual da Califórnia, resolveu partir
para 23 grandes cidades e testar a
afabilidade dos nativos. Como?
Deixando cair uma lapiseira na
calçada, um jornal no café. E simulando cegueira no momento de atravessar a rua. Depois, esperou pela
reação dos estranhos.
Resultado: o Rio é a cidade mais
prestativa do mundo, seguida de
perto por San José, na Costa Rica, e
Lilongwe, no Malawi. As cidades
menos prestativas dão pelo nome de
Kuala Lumpur, na Malásia, e a inevitável Nova York, onde a indiferença
perante os outros é marca distintiva
no trato social.
Para Levine, existe uma conclusão
óbvia: as cidades mais pobres tendem a desenvolver virtudes de afabilidade social que não se encontram
nas urbes mais ricas, do Oriente ou
do Ocidente.
Existem excepções, claro: Estocolmo ou Copenhague são ricas e
são prestativas; mas as excepções
confirmam a regra e a regra é fatal
para a simpatia capitalista.
O estudo de Levine é interessante,
até por motivos filosóficos. Ele tem a
ousadia de desmentir a teoria, tão
cara a Hobbes, de que a vida em sociedades mais primitivas tende a ser
curta, pobre, solitária e brutal.
Daí a importância do Estado para
Hobbes ou, para conservadores como Burke, a importância de uma
tradição civilizadora, capaz de "vestir" os homens com os recursos do
"guarda-roupa" cultural.
Se Rousseau acreditava num selvagem bom e incorrompido pelas
desigualdades da civilização, o anti-sentimentalismo dos conservadores
defende que só a civilização impede
a corrupção natural e humana, que
nasce de nossa imperfeição intelectual e moral.
Mas é sobretudo no plano pessoal
que o estudo de Levine não me convence. Sim, o Rio é caso à parte, e
presumo que seria sempre um caso
à parte se a cidade fosse mais rica.
Mas a tese não cola para cidades pobres, como Casablanca (no Marrocos) ou o Cairo (no Egito), onde
sempre fui tratado com hostilidade
pelos indígenas.
O mesmo para as cidades do leste
da Europa, sobretudo antes da queda do Muro de Berlim: a miséria material acabava sempre por contaminar, com desconfiança e algum temor, qualquer lisura no trato pessoal.
Hoje, quando regresso a Bucareste ou Varsóvia, cidades que enriquecem lentamente, sou tratado como
nunca fui antes de 1989.
O inverso também se aplica: sinto-me em casa em Londres; idem para
qualquer cidade italiana; aliás, para
qualquer cidade da "velha Europa".
E sobre os Estados Unidos, a confissão sincera de que os americanos,
se pecam no trato com os outros, pecam sobretudo por excesso. Excesso
de simpatia, entendam, um traço
que normalmente deprime um deprimido como eu.
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