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Crítica/"Mi Sueño" e "Flor de Amor"
Amor à cubana comove em discos
Último trabalho de Ibrahim Ferrer é testamento ao som de boleros; CD de Omara Portuondo tem tônica romântica
CARLOS CALADO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Muitos ouvintes já se
encantaram com as
emotivas interpretações de Ibrahim Ferrer (1927-2005) e Omara Portuondo, desde que esses veteranos da música cubana surgiram no cenário
internacional, uma década
atrás. O veículo dessa revelação
tardia foi o álbum coletivo
"Buena Vista Social Club"
(1997), fenômeno de vendas
que os transformou em astros
mundiais e inspirou o documentário homônimo do alemão Wim Wenders.
Gravações desses e de outros
artistas cubanos vão ganhar
edições brasileiras graças a um
recente acordo entre a gravadora inglesa World Circuit e a
nacional MCD. Os primeiros
produtos da parceria já estão
disponíveis nas lojas: o aqui
inédito "Mi Sueño", último álbum gravado por Ferrer, além
da reedição do CD "Flor de
Amor", de Omara Portuondo.
Bem apropriado para um disco de românticos boleros, o título "Mi Sueño" (meu sonho)
refere-se, na verdade, a uma
frustração que Ferrer carregou
durante décadas. Embora adorasse cantar boleros, seu timbre de tenor costumava ser rejeitado por produtores convencionais, para os quais esse gênero de canção devia ser reservado aos barítonos.
"Eles diziam que minha voz
não era boa, que não era masculina o suficiente (para cantar
bolero), mas, graças ao "Buena
Vista", um caminho se abriu à
minha frente", contou, pouco
antes de morrer, Ferrer, que
chegou a engraxar sapatos para
sobreviver. Até ser tirado do ostracismo, com o álbum "Buena
Vista Social Club", Ferrer só
era conhecido em Cuba por um
círculo restrito de admiradores
de seu estilo vocal.
Ironicamente, anos depois,
Ferrer não conseguiu ver realizado seu sonho de gravar um
álbum de boleros: quando morreu, em agosto de 2005, ainda
faltavam três semanas para o
término das gravações de "Mi
Sueño". Mesmo assim, teve
tempo para expressar o desejo
de que o álbum fosse finalizado
a partir de uma fita-demo com
boas condições técnicas.
Quem conhece "Ibrahim
Ferrer" (1999) e "Buenos Hermanos" (2003), os primeiros
CDs individuais do cantor, vai
logo sentir a diferença. Os arranjos exuberantes de antes,
com ênfase na percussão, foram trocados por arranjos mais
sintéticos. A base instrumental
é um trio comandado pelo talentoso pianista Roberto Fonseca, que destaca também os
veteranos Orlando "Cachaito"
López (baixo acústico) e Ramses Rodrigues (bateria).
A jazzística introdução desenhada pelo pianista em "Dos
Almas" (de Don Fabián), o bolero que abre o CD, antecipa a
abordagem que norteia todo o
álbum. Em outras faixas, o som
do trio é colorido levemente
por alguns instrumentos: harpa e um pequeno naipe de cordas, em "Si Te Contara" (Felix
Reina) e "Quiéreme Mucho"
(Agustin Rodrigues e Gonzalo
Roig); guitarra, clarinete e
trompete, na dançante "Copla
Guajira" (Agustin Lara).
Já a releitura do clássico bolero "Quizás, Quizás" (Osvaldo
Farrés) é levada em andamento
lento. Num duo discreto, sem
derramamentos emotivos, as
vozes de Ferrer e da convidada
Portuondo têm companhia
apenas do piano de Fonseca.
O peso dos 78 anos vividos
por Ferrer, que roubaram um
pouco do brilho e da extensão
de sua voz, não o impedem de
interpretar as 12 canções com o
máximo de sentimento e elegância. Se algum dos três discos
individuais que ele gravou após
"Buena Vista Social Club" pode
ser considerado como seu testamento musical, este certamente é "Mi Sueño".
Brasileiros
Omara Portuondo, que lançou em março último um CD
em parceria com Maria Bethânia, também esbanja elegância
em "Flor de Amor" (2004). Este álbum, que oficializou seu
namoro com a música brasileira, já havia sido lançado aqui
anteriormente pela Warner.
Com cinco faixas produzidas por Alê Siqueira, incluindo participações dos brasileiros Swami Jr. (violão), Nailor Proveta (clarinete) e Toninho Ferragutti (acordeon), além dos cubanos Roberto Fonseca, "Cachaito" López e Ramses Rodrigues, "Flor de Amor" exibe diversos ritmos e gêneros musicais cubanos mais ou menos dançantes, como o chá-chá-chá, o son, a guajira e o danzón, além do tradicional bolero.
Mesmo assim, a tônica do álbum é bem romântica.
MI SUEÑO
Artista: Ibrahim Ferrer
Gravadora: World Circuit/MCD
Quanto: R$ 29, em média
Avaliação: ótimo
FLOR DE AMOR
Artista: Omara Portuondo
Gravadora: World Circuit/MCD
Quanto: R$ 29, em média
Avaliação: bom
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