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Ingo Schulze leva contos e história alemã à Flip
Expoente da nova prosa alemã, escritor é o primeiro convidado de seu país em Paraty
A observação do cotidiano é marca dos contos de Schulze, que lança no país a coletânea "Celular"; Guimarães Rosa está entre suas referências
EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL
A Festa Literária Internacional de Parati, que acontece entre 2 e 6 de julho, terá em sua
sexta edição o primeiro convidado da Alemanha, Ingo Schulze, 45. O alemão nascido em
Dresden, na então Alemanha
Oriental, participará, ao lado de
Modesto Carone e Rodrigo Naves, da mesa "Formas Breves".
O escritor lança em Paraty
"Celular - 13 Histórias à Maneira Antiga" (Cosac Naify), uma
coletânea de contos, formato
com o qual se tornou um expoente da prosa alemã em sua
geração. A escolha entre a narrativa de fôlego dos romances
-Schulze tem um em sua bibliografia "Neue Leben" (novas
vidas)- e as formas breves, que
nomeiam sua mesa na Flip, são
uma questão essencial no seu
processo criativo.
"Há algumas semanas discuti
com alguns amigos quando se
deve usar o conto ou o romance. Não chegamos a uma conclusão. Eles descrevem diferentes espécies de experiência,
diferentes tempos, distintos reservatórios de material", diz
Schulze, em entrevista à Folha.
"Até hoje eu sempre optei
pelo conto quando queria reagir de modo imediato ao mundo ao meu redor. O conto, então, era o tempo real, que eu vivenciava com mais proximidade. No romance, atira-se a rede
também para o passado e só depois se vê o que se pescou."
Inspirações
Nos livros de Schulze, a decisão de qual formato usar se dá
em paralelo à escolha das fontes de inspiração estilística. Para seu primeiro livro, "33 Augenblicke des Glücks" (33 momentos da felicidade), que se
passa em São Petersburgo, na
Rússia do início dos anos 90, o
escritor lançou mão da literatura russa e soviética, desde lendas até os contos de Púchkin e
Tchekov, entre outros.
No segundo livro, "Histórias
Simples", Schulze conta que
encontrou um "parentesco"
entre as mudanças sociais, culturais e econômicas vividas pelos Estados Unidos dos anos 50
e pela Alemanha Oriental dos
anos 90. Daí sua inspiração em
escritores como Raymond Carver e Ernest Hemingway. Já
para o romance "Neue Leben",
Schulze conta que "Grande
Sertão: Veredas", de Guimarães
Rosa, foi um "grande estímulo".
Em "Celular", explica Schulze, salvo as quatro primeiras
histórias, trata-se antes de tudo
de tomar empréstimos da tradição oral. As histórias contadas aí foram escritas entre 1996
e 2006, período em que Schulze
observa as mudanças na sociedade alemã, como a polarização
entre ricos e pobres.
"Eu conheço vários acadêmicos que preferem andar cinco
quilômetros e assim economizar dois euros com a passagem.
Porque sobram apenas cerca de
quatro euros por dia para eles
comerem e beberem. As idas ao
cinema ou teatro se tornaram
um luxo", conta o autor.
Cotidiano
Schulze chegará a Paraty tendo, embaixo do braço, o manuscrito de seu novo livro, que deve entregar à editora alemã até
14 de julho. "Adam und
Evelyn", um conto dividido em
55 capítulos, reconta a história
de Adão e Eva, no ano de 1989,
quando caiu o Muro de Berlim.
O autor não vê como separar a
história recente de seu país das
histórias simples que extrai do
cotidiano. "Aprendo mais da
história jantando com a família, ou no bonde, do que em jornais. E, como me interessa a
clareza das coisas, o cotidiano é
meu ponto de partida."
Schulze resume a universalidade de suas histórias na sua
tentativa de "mostrar o mundo
numa gota d'água".
"Quando uso, por exemplo, a
palavra "fome", tenho de saber o
que ela significa fora do meu
contexto. Senão meu conto ou
romance fica risível. O mundo
tem de estar presente. Mesmo
se não me movimento todos os
dias por Berlim, se estou atento, então capto, na rua onde
moro, toda a cidade. E, com ela,
influências de todo o mundo."
Com sua prosa voltada para o
cotidiano e a história, Schulze
defende uma literatura de intensa troca entre leitor e escritor. "Como leitor, fico feliz com
um livro quando percebo que
não estou sozinho em minhas
experiências. Ali está alguém
que vivenciou algo parecido,
mas que somente conseguiu
expressá-lo num conto ou romance, não numa conversa ou
carta. Eu não quero ficar sozinho com minhas experiências.
Seria um pouco como enviar
mensagens numa garrafa. Algumas serão encontradas, até
mesmo lidas em voz alta. Outras passam por várias costas e
navios e terminam arrebentando contra um iceberg."
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