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ENTREVISTA:
AI WEIWEI
Artistas e autores chineses nunca acham nada
"Os intelectuais deveriam ser a consciência dessa sociedade, mas não são", diz artista
DE PEQUIM
Veja os principais trechos da
entrevista que o artista Ai Weiwei, 51, concedeu à Folha em
sua casa, em Pequim, entre o
luminoso "Fuck" na entrada e
uma escultura de uma mão
com o dedo médio em riste.
DECEPÇÃO OLÍMPICA
Estou cansado da propaganda.
Todos os chineses queriam a
Olimpíada, convidar o mundo a
nos conhecer, falar a mesma
língua, fazer a China ser aceita
na comunidade internacional.
Tínhamos esperança que forçasse o governo a ser mais democrático, houve promessas de
mudanças. Para mim, foi uma
decepção. Não foram honestos.
SEM FESTA
A Olimpíada não será uma
festa para o povo. Há barreiras,
política de segurança, blitz, repressão, proibição de circulação de carros, parece tempo de
guerra. Não é uma festa. Acho
que até reunião de ex-colegas
do colegial, com gente bebendo, tem mais diversão. Nesses
Jogos, o governo está ensinando até como os chineses devem
sorrir. É vergonhoso, nojento.
O povo chinês é mais esperto,
divertido, e esse governo é tão
sem humor, parece que veio de
outro planeta.
SOCIEDADE PRIMITIVA
O país tem 5.000 anos, mas
ainda sofre com a insegurança
do que o mundo vai achar da
Olimpíada. Esse governo tem
30 anos, é inexperiente. Não
são nada relaxados. Na verdade, eu deveria ser o chanceler.
Deveriam me nomear. Pegaria
mais leve internacionalmente.
A China não ficou mais aberta por causa da Olimpíada, ao
contrário. O país até estava
mais aberto, mas, às vésperas
dos Jogos, os líderes chineses
estão controlando tudo demais.
Pelo lado positivo, é porque
têm muito medo de cometer
erros, então exageram. Vira bagunça se controla demais, se
não controla é bagunça do mesmo jeito. Nossa sociedade é
ainda muito primitiva.
BRASIL?
A China está seguindo um modelo brasileiro, perigoso. No topo, os ricos, intocáveis, e o resto, pobre, que não tem nada. Os
ricos definitivamente ficam
mais ricos aqui nesse capitalismo socialista, onde existe o poder do socialismo, do partido,
que leva o dinheiro a mãos privadas, a gente com boa relação
com o governo. Esse é o maior
crime. Os pobres não têm direito, não podem votar ou se expressar. Isso só vai criar problemas. Não sou muito otimista se
teremos democracia, mas temos que lutar por ela.
CENSURA
Há muito menos censura no
mundo da arte que em outras
esferas na China. Mas não há
muito o que censurar, a maioria
dos artistas não adota confronto ou crítica dura ao governo. O
cinema, a TV, os meios de massa são muito mais censurados.
A arte ainda atinge uma minoria. Nessa sociedade, ninguém
fala nada. Intelectuais, artistas,
escritores nunca acham nada.
Fico parecendo o louco.
Acho que os intelectuais chineses são sem-vergonha, querem tirar vantagem, não usam
sua suposta reflexão, sua responsabilidade de falar a verdade. Os intelectuais deveriam
ser a consciência dessa sociedade, mas não são.
A NOVA PEQUIM
Não gosto da Pequim antiga,
nem da moderna. A velha era
da sociedade imperial, onde havia a monarquia vivendo bem
nos palácios e o resto vivia como ratos, tempos sombrios. A
nova é resultado da corrupção,
da falta de planejamento, da
feiúra. Ambas não são humanas. Precisamos de democracia. Se fosse mais feia, mais bagunçada, sem a mão pesada do
governo, já seria mais confortável. Cidades precisam de variedade, aqui tem governo demais.
Eles dão novo visual, mas não
dão nova vida.
NÃO É NINHO!
Não fui convidado para a
abertura do estádio, não dão a
mínima para mim nem para os
arquitetos suíços que o desenharam. Nunca são citados.
Jacques Herzog e Pierre de
Meuron me convidaram, não o
governo, a ser consultor da
obra do estádio. Não é ninho de
passarinho. Se quiséssemos, seria mais parecido com um ninho de verdade. Na verdade,
descrevemos o conceito, que
tem a estrutura construtiva de
um ninho, interligado. Mas não
a forma, que é abstrata.
REVOLUÇÃO CULTURAL
Muitos artistas usam imagens da Revolução Cultural como uma maneira de se livrar
dessa memória política terrível
do país. Mas muitos usam essas
imagens só para vender. É a
imagem que os estrangeiros
entendem e procuram da China. Há muito comercialismo,
escuto dizer que o bairro 798
[distrito artístico de Pequim] é
bem comercial, mas não participo. Espero que Caochangdi
continue calmo e acessível para
os artistas.
ARTE CHINESA
Há comercialismo e há artistas que não são comerciais no
mundo inteiro. Só que na China
é mais óbvio porque, em apenas
30 anos, o país ficou rico, surgiram muitos ricos. Há artistas
que fazem arte, outros que estão mais atrás de fazer dinheiro. Há cinco anos, ninguém
conseguia vender uma obra e
me perguntavam o porquê. Hoje todo mundo pergunta: por
que todos os artistas chineses
vendem tanto? Obras são vendidas ou não, quem explica é
mercado, não é a arte.
Faço arte contemporânea
desde o final dos anos 70. Ninguém dava muita bola para o
nosso trabalho, não vendia. Só
comecei a vender em Nova
York, nos anos 80. Fiquei mais
de uma década lá e não era esse
sucesso. Não sei porque compram arte chinesa.
(RAUL JUSTE LORES)
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