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TELEVISÃO
Ex-diretor da Globo, Luiz Eduardo Borgerth relata em livro casos de pressões sofridas pela emissora nos anos 70
Militares tentaram até encurtar novelas
DANIEL CASTRO
COLUNISTA DA FOLHA
O governo de Ernesto Geisel
(1974-79) tentou reduzir a duração das telenovelas, de até mais de
300 capítulos na época, para no
máximo 70 episódios. A revelação
é do advogado Luiz Eduardo Borgerth, 71, no livro "Quem e Como
Fizemos a TV Globo" (editora A
Girafa, R$ 38, 247 págs.).
Borgerth foi entre 1967 e 2000 o
principal executivo de relações
institucionais da Globo, período
pelo qual "dificilmente alguma legislação de radiodifusão foi discutida" sem que ele fosse consultado. Entre 2001 e o início deste ano,
foi consultor do SBT.
O ex-diretor da Globo levanta
algumas hipóteses sobre o que estaria por trás da "pressão do Planalto" por novelas mais curtas.
Uma delas seria o pedido de "alguma esposa altamente colocada
na hierarquia militar", que não
suportava esperar um ano para
ver o desfecho das tramas. Outra,
de que menos capítulos facilitaria
o trabalho dos censores.
"Naquela época, havia uma crítica muito grande quanto à duração das novelas. Uma idéia que os
militares tinham, em benefício do
país, era reduzir as novelas", disse
Borgerth à Folha.
O fato é que Borgerth acabou
marcando uma audiência com o
general Hugo Abreu, então chefe
da Casa Militar do governo federal. Logo no início da conversa, o
diretor da Globo foi interrompido. "Não se preocupe, ninguém
vai fazer nada contra a televisão.
Minha irmã está nos Estados Unidos e me disse que a televisão brasileira não tem nada a dever à
americana; nossas novelas são
melhores do que as deles. Deixa
comigo", teria dito Abreu, de
acordo com "Quem e Como Fizemos a TV Globo".
O livro, lançado na semana passada, é uma obra memorialista.
Não tem compromisso com a
precisão de datas, por exemplo.
Mais do que relatar casos de censura e curiosidades sobre o regime militar, se presta a homenagear os principais profissionais
que ajudaram a formar e a consolidar a TV Globo, entre 1965 e início dos anos 70, numa época em
que os recursos eram mínimos.
Borgerth organizou o livro como os créditos de uma novela,
com verbetes sobre os personagens. Os "protagonistas" são o
fundador da Globo, Roberto Marinho, Walter Clark (que "moralizou" o departamento comercial e
iniciou uma gestão profissional),
José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni (que implantou o modelo de programação vigente até
hoje), e Joe Wallach, o norte-americano enviado pela Time-Life para acompanhar os investimentos
que o grupo fez na Globo, tendo
apenas imóveis como garantias.
A participação da Time-Life na
implantação da Globo gerou muito barulho, até uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito).
Uma campanha foi liderada por
João Calmon, dos Diários Associados, grupo ao qual pertencia a
TV Tupi. Em tom de ironia, Calmon é "homenageado" no livro
de Borgerth. Ele aparece como
personagem no capítulo "Extras".
Borgerth diz que a campanha de
Calmon ajudou a divulgar a Globo, então lanterna nos índices de
audiência. Afirma que Roberto
Marinho deve a ele o fato de os
militares terem, em 1967, tornado
claro que não era permitida a associação com estrangeiros em
empresas de comunicação.
Assim, Marinho se livrou dos
norte-americanos, que investiram pouco mais de US$ 5 milhões
na Globo. O investimento, segundo Borgerth, foi devolvido sem juros. Para Borgerth, tanto a associação como o rompimento com
a Time-Life, foram lances de "sorte" para Roberto Marinho, um
homem de "sorte grande".
Borgerth não economiza adjetivos para definir os principais personagens do livro. Roberto Marinho, além de sortudo, era "educadíssimo, amável, afável". Walter
Clark era "catalisador de talentos", "impecável". Boni não era
apenas perfeccionista. "Para ele
não existia o melhor possível,
porque se é possível que exista algo melhor, então não é o melhor
possível", afirma no livro.
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