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Academia envia sua mensagem ao mundo
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Quem vai ganhar o Oscar? Às
vésperas da premiação, a
pergunta se reveste de uma ansiedade que lembra turfistas antes de
começar o próximo páreo.
O Oscar tem, de fato, um quê de
competição esportiva. Mas o esporte tem a vantagem da exatidão, que falta às artes: normalmente, ganha o melhor (e se não
era, torna-se). Para a maior parte
do público, o Oscar é um evento
que nos liberta do caos crítico e
instaura um pouco de ordem.
Diz, enfim, qual é "o melhor".
Será mesmo? Uma olhada nos
vencedores do passado mostra
que a distância entre um ganhador e a posteridade é, às vezes, tão
grande quanto a distância que separa Washington de Bagdá. Da
atualidade política à simpatia dos
envolvidos e ao interesse dos estúdios, muita coisa entra na conta.
Por isso a curiosidade, este ano,
é redobrada. O 11 de setembro foi
absorvido por uma política de Estado. Como reagirá a comunidade hollywoodiana, de maioria liberal (que significa não conservadora)? Que mensagem enviará a
Academia aos EUA e ao mundo?
Se a resposta for política, é difícil
que o prêmio fuja das mãos de
"Gangues de Nova York". Ali estão certos fundamentos da América: o pendor pela barbárie, a inclinação à violência, a intolerância
religiosa. Tudo, enfim, que faz o
mundo ficar arrepiado a cada vez
que G. W. Bush surge na TV.
Mas há outras respostas possíveis. A prudente seria "Chicago",
que retoma a tradição evasiva dos
musicais. A culturalista nos remete a "As Horas". A tradicional, a
"O Pianista" (outra vez Holocausto). A desesperada, a "O Senhor
dos Anéis: As Duas Torres".
Em ocasiões específicas, o Oscar
soube ser político. Sob sua aparência inocente, "A Vida de Emile
Zola" ganhou em 1937 narrando a
trajetória de firmeza do escritor
francês durante o Caso Dreyfuss.
Não tem nada a ver, em princípio,
mas firmeza era o que se pedia
com Hitler, a ameaça. Mas o filme
era frouxo e, com razão, o prêmio
de direção coube a Leo McCarey
("Cupido É Moleque Teimoso").
Em 1946, a Academia celebrou o
fim da guerra e condenou seus
horrores premiando "Os Melhores Anos de Nossas Vidas", de
William Wyler, em que a volta ao
lar dos soldados no pós-guerra é a
questão. No ano seguinte, contemplou o anti-semitismo de "A
Luz É para Todos", de Elia Kazan.
No momento da Guerra da Coréia, manifestou novamente sua
oposição a eventos bélicos, e o Oscar maior foi para "A um Passo da
Eternidade", de Fred Zinnemann.
O ano de maior ambiguidade
foi 1954, pois o ganhador foi "Sindicato de Ladrões", de Elia Kazan.
Ora, Hollywood combateu a "caça às bruxas" em peso. Kazan foi
estigmatizado como delator.
"Sindicato" era um ótimo filme,
mas em grande medida era também uma justificativa da delação
(não um pedido de desculpas).
Nem sempre a política pesa em
premiações políticas. Em 1970,
em pleno Vietnã, o Oscar foi para
"Patton - Rebelde ou Herói", de
Franklin Schaffner: o talentosíssimo elogio de um militar militarista, mas um grande filme.
Um ano chave é 1976: "O Franco
Atirador", de Michael Cimino, representou o momento em que a
América levantava a cabeça após
a derrota no Vietnã, como a dizer
"vamos para a próxima". E foram.
Há também as premiações que,
sem parecer políticas, o são. Casos
de "Ben-Hur" (1959), de William
Wyler, e de "Gladiador" (2000),
de Ridley Scott, que recuam ao
Império Romano. E aqui vale recorrer a Gilles Deleuze que, ao falar de Cecil B. DeMille, decifra o sentido histórico de espetáculos
como esses: tal recuo e suas barbáries seriam um modo de dizer
que a história tem uma finalidade.
Que todas as atrocidades do passado, sobretudo as ligadas à ausência de fé cristã (ou judaica), seriam como um caminho até a liberdade, isto é, à democracia americana. Em 1959, estávamos
no auge da Guerra Fria. Em 2000,
na era Clinton, de paz e amor.
O Oscar 2003 chega no meio de
uma nova tempestade. Breve saberemos até que ponto a Academia se sente concernida por isso e que recado mandará ao mundo.
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