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NELSON ASCHER
O maior poeta vivo
Pensador engajado, o alemão Hans Magnus Enzensberger produz uma poesia ensaística
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A PARTIR de meados do século
passado boa parte da poesia
mundial enveredou por algum tipo de hermetismo. Refiro-me
não aos poetas que chegaram maduros à Segunda Guerra, pois muitos
entre esses reagiram à crise buscando clareza expressiva em seus derradeiros trabalhos, mas, sim, aos que estrearam depois. Sobretudo em inglês e francês, exploraram-se temas
e aspectos cada vez mais restritos e
nuançados deles, transformando-se
o poema em objeto tão autônomo
quanto possível, desligado de seu
entorno imediato e mesmo das expectativas normais do público.
Não estou censurando tal tendência, uma vez que seus representantes máximos se mostraram aptos,
paradoxalmente, a dar voz aos impasses da época lançando mão de
equações verbais que, enigmáticas,
beiravam não raro o ininteligível.
Ninguém ilustra este sucesso, mediante o qual o óbvio aflora do âmago do obscuro e a incompreensão
inicial do leitor se torna a isca que o
fisga e dirige rumo a sentidos à primeira vista imperceptíveis, melhor
do que Paul Celan (1920-70). O poeta de expressão alemã, nascido na
Bucovina (pertencente então à Romênia) e sobrevivente do Holocausto, conseguiu, usando recursos indiretos e inesperados, dar ao Apocalipse uma forma cuja adequação nenhum outro explicitamente dedicado à tarefa foi capaz de superar.
É um fato, porém, que, por trás do
grosso do hermetismo que caracterizou o último meio século, não havia nada digno de nota a se explorar.
Assim, a linhagem mais honesta e
eficaz da poesia tem sido aquela que
optou por mostrar suas cartas, permitindo ao leitor avaliar logo de início se o esforço que estaria prestes a
investir na leitura terá chances de
ser recompensado.
O principal expoente dessa orientação, que é também o maior poeta
vivo, escreve em alemão e chama-se
Hans Magnus Enzensberger. Nascido em 1929, ele assistiu, adolescente, à guerra desde o olho do ciclone. Coube à sua geração reconstruir a
cultura e até a língua de seu país com
(e/ou contra) o que restara na terra
arrasada à qual o nazismo as reduzira. Começando a publicar versos
inspirados por Brecht e ensaios influenciados por Adorno e Benjamin
nos anos 50, sua carreira foi de uma
variedade ímpar e ninguém como
ele exemplificou tão bem o papel do
intelectual e as aventuras da inteligência durante a metade final do século 20.
Enzensberger, que nos anos 60 já
era reconhecidamente um dos grandes artistas e pensadores engajados
da Europa, foi sempre movido por
uma curiosidade onívora que, mesmo agora, com o poeta quase octogenário, não parece arrefecer.
No entretempo, seja em sua poesia, seja em sua prosa ensaística, ele
abordou tudo o que importava, todas as questões relevantes de um período particularmente diversificado
da história. Para alcançar sua meta
inalcançável, a saber, formular uma
teoria do presente, ele, segundo seu
admirador, o crítico italiano Alfonso
Berardinelli, valeu-se não somente
da poesia e do ensaio em conjunto,
como moldou ensaios utilizando
elementos construtivos típicos da
poesia, enquanto compunha uma
poesia autenticamente ensaística.
Seu percurso público tampouco
foi menos variado. Principiando-o,
inclusive por reação ao totalitarismo de direita cujos efeitos acompanhara pouco antes, como militante
da esquerda radical, o alemão, ao
contrário do que fizeram seus colegas, não manteve seu engajamento
nos limites confortáveis dos corredores universitários. Ele viveu na
Alemanha Oriental, em Cuba e terminou conhecendo direito os meandros do socialismo real de modo
que, ao romper com este, ele o fez
com pleno conhecimento de causa.
Graças à sua necessidade de estudar "por dentro" tudo o que lhe desperta a curiosidade, ele segue preparado como ninguém para identificar
onde se encontra hoje em dia o "X"
da questão e dos conflitos globais.
Discutirei sua interpretação corajosa do terrorismo, "O Perdedor Radical", em outra coluna. Concluo esta
traduzindo um texto recente dele
que pode ser considerado seu complemento poético.
H. M. Enzensberger
"Em Jerusalém"
No meio do caminho
tem essa pedra estúpida
que todos cobiçam
Deus sabe por quê.
Parece antiga
e, a cada peregrino
que passa por ela,
que a toca, beija,
bate nela a testa sangrenta,
fica mais ensebada.
Bloqueia o trânsito,
carretas, cargas e guardas,
não há, porém, como
tirá-la do caminho.
Faz muito que está onde está,
uma eternidade.
É sagrada. Ninguém sabe
para que serve. Bonita
ela não é.
Mas mesmo alguém como eu
a quem não faz falta
tropeça nela.
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