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Crítica/"Madama Butterfly"
Ópera de Puccini vira um teatro nô com arte de Tomie
Em cartaz no Municipal, montagem vive do contraste entre realismo e fantasia
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
O momento crucial foi
na metade do segundo
ato, quando a Butterfly, acreditando na volta de
seu amado Pinkerton, depois
de três anos, pede que lhe tragam o véu que usava no dia do
casamento. No canto direito do
palco estavam ela e sua ajudante, olhando o navio ao longe;
enquanto isso, a mesma ex-gueixa, remoçada, reaparecia
ao centro, ajudada por três jovens a vestir seu "obi" branco.
Para além da beleza do momento -delicadamente coreografado por Susana Yamauchi
(e aplaudido em cena)-, rompiam-se ali explicitamente as
convenções realistas da montagem que, de resto, já vinham
sendo explícita mas delicadamente explodidas pela cenografia de Tomie Ohtake (ovacionada ao final).
Dirigida por Jorge Takla, essa produção de "Madama Butterfly", que estreou sábado passado no Municipal, vive mesmo
do contraste entre realismo e
fantasia, empregando os dois
termos no sentido teatral, tanto quanto psicológico.
Encarnada pela soprano Eiko Senda, a Madama Butterfly
de Puccini (1858-1924) seria
uma estranha anti-heroína para estar na cidade justamente
na semana em que se comemoram os cem anos da imigração
japonesa. Mas as ambigüidades
da ópera, pensando bem, não
são inadequadas, se se quiser ir
além das eulogias de praxe.
Como aponta Jorge Coli, em
suas notas de programa, existe
uma "problemática" Puccini,
que não tem a ver apenas com a
antivanguardista pressão sentimental da música, mas também com a relação conflituosa
entre Ocidente e Oriente. Isso
se dramatiza no libreto de Giacosa e Ilica e ganha inesquecível força na partitura.
Nesse contexto, tanto mais
força ganhava a cenografia minimalista de Tomie: dezenas de
composições abstratas, sucedendo-se umas às outras pelas
trocas de cor -quer dizer: de
luz- num cenário fixo composto por um bloco tripartido de
madeira ao centro (a casa), contraposto a um plano maior (o
céu, a noite, o mundo). Tudo
aqui parece totalmente interiorizado, mas se deixa ver por fora: a cada passo da música, mudam cores e texturas, como
muda o coração.
Com isso, até a dramaturgia
convencional se eleva a uma espécie de teatro nô ocidental. E
ali, para além dos dotes de Eiko
Senda, cantando o "seu" papel
por excelência, apareciam muito bem todos os seus parceiros
de tragédia: Silvia Tessuto (a
serva), Lício Bruno (o cônsul),
Sergio Weintraub (o casamenteiro) e ainda, só um pouquinho decepcionante na estréia, o
tenor inglês Paul Charles Clarke (Pinkerton).
Regida pelo diretor musical
Jamil Maluf, a Orquestra Experimental de Repertório, se não
tira toda a música da música,
também não abafa nada e toca
com evidente empenho.
Faltou falar do grande dueto
no ato 1. Estranho pensar que é
numa cena dessas, tão melodramática, que afinal se escuta
o que é o amor. Mas é, e foi, e será, como se pode ver até domingo no palco do Municipal.
MADAMA BUTTERFLY
Quando: amanhã e sexta, às 20h30;
domingo, às 17h
Onde: Teatro Municipal (pça. Ramos de Azevedo, s/nº, tel. 0/xx/
11/3222-8698; classificação: 5
anos); ingressos esgotados
Avaliação: ótimo
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