São Paulo, quinta-feira, 24 de julho de 2008 |
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NINA HORTA Um livro despretensioso e divertido
Ele se declara, desde o princípio, um cozinheiro cheio de entusiasmo e prazer, mas completamente sem imaginação e liberdade de movimentos. Precisa de um velho livro conhecido no qual escolha o prato que vai fazer e a lista de compras. Sair de casa, todo feliz, com a sa- cola debaixo do braço, comprando o que o mercado tem de melhor a lhe oferecer e depois transformar aqueles ingredientes num cardápio coerente é uma impossibilidade admitida e aceita. Digo que Barnes não pode perder as esperanças de que isso lhe aconteça, se é que já não aconteceu. Geralmente é uma revelação. Tive a minha quando já cozinhava havia 20 anos (!), num dia especialmente verde, escamado, amarelo, vermelho, no mercado de Pinheiros. Rasguei minha lista, que era como um porto seguro, e me joguei de braços abertos no peixe mais fresco, na manga mais cheirosa, na azeitona portuguesa mais firmezinha. É claro que essa hierofania vem depois do acúmulo de vários conhecimentos que subitamente se agregam e começam a fazer sentido em um todo. Barnes reconhece seus defeitos. É um cozinheiro que precisa de elogios. O que é comum, mas não é saudável. Vou prevenindo que a família e os amigos podem usar isso para manipulá-lo. Para obter elogios, precisa fazer a coisa certa, então quer livros nos quais possa confiar, vida afora, com receitas bem explicadas, concisas, sem gordura. O seu objetivo é comida gostosa e nutritiva, sem grandes firulas, e quer aumentar seu repertório aos poucos. E vem com as queixas de sempre, sobre os punhados, uma cebola média, um nada, uma taça. Deseja a exatidão total. Da boca para fora, para nos entreter, pois sabe bem que uma lágrima é uma gota e, além disto, seus livros preferidos são os mais distraídos a esse respeito, como os de Elizabeth David, que só quer atrair gente para o calor do fogão e o faz com sua maravilhosa prosa, e não com sua precisão. Para compras de livros tem boas recomendações: nunca comprar um livro pelas fotos, nada de livros engraçadinhos, cortados em três na horizontal e que, abertos ao léu, dão o melhor cardápio (não, esses não, realmente!). Evitar os muito compreensivos, como "Os Melhores Chefs do Mundo", ou os muito especializados, como o "Mundo Incrível dos Waffles". Nunca comprar a reedição de um livro que você adora. Vai continuar usando o seu, velhinho e anotado. Etc e tal. Passa depois para os livros de cozinha preferidos, e, aí, eu o senti meu irmão. Temos exatamente os mesmos gurus, e fiquei pensando que, se não fossem algumas publicações da Companhia das Letras e uma da Melhoramentos, os leitores brasileiros não saberiam de quem ele está falando. São todos ingleses, ou quase todos. Mrs. Beeton, que equivaleria à Dona Benta, e que ele bem sabe que tem receitas muito antigas e erradas, com seus preços mais antigos ainda, mas que nos encanta com o modo de vida vitoriano, os jeitos mil de dobrar guardanapos, como tratar o mordomo, quais os chás para certas doenças, como lustrar o epergne de prata. O restante dos livros indicados vocês mesmo descubram, porque vale a pena comprar este despretensioso livrinho de um belo escritor... que parece tê-lo compilado só para se divertir, sem nada de novo no front. Ah, ele odeia receitas como "merengue amassado de pistache com molho de soja e maionese". ninahort@uol.com.br Texto Anterior: Tentações Próximo Texto: Televisão: Sucesso infantil estende shows dos Backyardigans Índice |
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