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SABATINA FOLHA / WIM WENDERS
Preciso filmar Brasília
Em sabatina, diretor alemão Wim Wenders revela paixão por Oscar Niemeyer, conta que escreve "falsos roteiros" para obter financiamento e defende a liberdade de filmar o acaso
O CINEASTA alemão Wim Wenders, 63,
apontou Brasília como o lugar em que
gostaria de filmar no Brasil. Disse que se
"sentiria livre para trabalhar aqui", sem
"o peso que um diretor sente quando vai filmar nos
EUA" e que ele sentiu quando rodou lá "Paris, Texas"
(1984). Wenders definiu Brasília como "uma tela em
branco", em contraste com a paisagem dos EUA, que é
"a mais fotogênica, porque fazem-se mais filmes lá do
que em qualquer outro lugar". O cineasta foi sabatinado anteontem no auditório do Masp, em SP, pelo diretor brasileiro Walter Salles e pelos jornalistas da Folha Alcino Leite Neto, José Geraldo Couto e Marcos Strecker. A seguir, os trechos centrais da conversa.
BRASÍLIA É EXEMPLO PARA O MUNDO
Minha história com o Brasil
começou quando eu era criança. E não tinha a ver com filmes,
mas com cidades. Eu era apaixonado pelo [trabalho do arquiteto Oscar] Niemeyer e impressionado com a idéia de construir uma cidade no meio da
selva -ou, pelo menos, era assim que sua obra era apresentada na Alemanha. Na parede do
meu quarto, tinha todas as informações e imagens que podia
ter sobre Brasília. Se eu fosse
fazer um filme amanhã sobre o
Brasil, não hesitaria em filmá-lo em Brasília, um lugar extraordinário e um exemplo para o mundo. Passaria algum
tempo lá, até encontrar a história que a cidade me contasse.
Você tem que ir a um lugar com
o qual tenha afinidade e deixar
o próprio lugar lhe contar uma
história. Assim surgiu a maioria dos meus filmes.
MIL FILMES PARA FUGIR DO FRIO
Era jovem em Paris e queria
me tornar pintor. Não conhecia
ninguém, morava sozinho num
quarto frio, gelado. Encontrei o
lugar mais barato e quente para
passar o tempo, que era a Cinemateca. Vi mais de mil filmes
em um ano. Uma retrospectiva
do diretor americano Anthony
Mann [1906-1967] me marcou.
Pela primeira vez, via filmes em
que não estava só seguindo a
história, mas entendendo a linguagem.
A segunda grande influência
veio depois de já ter feito quatro filmes. Alguém me disse
que estavam mostrando um filme japonês que eu tinha que
ver. Nunca tinha ouvido falar
em [Yasujiro] Ozu [1903-1963].
Fui a uma sessão de "Era uma
Vez em Tóquio" em Nova York
e fiquei apaixonado. Vi algo tão
mais profundo, transparente e
transcendente do que qualquer
coisa que tinha feito.
A LIBERDADE DA ESTRADA
Ainda fazia meus curtas
quando percebi que os filmes
podiam ser feitos no estúdio
mas também na estrada. Desde
que fiz isso pela primeira vez, vi
que não havia nada melhor.
Uma viagem não é sobre chegar
a algum lugar, é a experiência
de estar na estrada. A maioria
dos filmes são rodados fora da
ordem cronológica, primeiro o
final, depois o meio etc. Uma
forma insana. Num "road movie", você segue a estrada. Percebi que havia muita liberdade
em conseguir filmar a história e
vivê-la ao mesmo tempo. Na estrada, você fica inclinado a se
abrir mais -não só à paisagem
mas também em relação às pessoas que você encontra.
A TRAPAÇA DO FALSO ROTEIRO
A maior parte dos meus filmes foi feita sem roteiro ou
com roteiro bastante frouxo.
Os de que mais gosto são os menos cerebrais, que aconteceram espontaneamente. "Asas
do Desejo" foi feito sem roteiro.
Prefiro que a realidade entre o
máximo possível no filme. O
que acontece sem planejamento é muito mais precioso do que
qualquer coisa que você possa
tentar. Hoje, até para um diretor como eu, que já provou que
consegue filmar sem roteiro, isso não é mais possível. Escrevo
roteiros falsos, só para conseguir o financiamento, e depois
os deixo de lado. Em "Paris, Texas", escrevemos um outro final, ridículo, hilário, que não
seria rodado. Fizemos isso só
para ter um roteiro completo.
Trapaceamos. É o jeito.
O MUNDO DE HOJE É DIGITAL
O que o cinema produziu nos
primeiros cem anos foi extraordinário, mas o mundo de hoje
não pode ser tratado com essa
tecnologia, essa gramática e esse vocabulário. As histórias que
precisam ser contadas hoje lidam com pessoas que vivem
num contexto social totalmente diferente do que poderia ser
imaginado no século 20. A tecnologia daquele cinema não
consegue mais captar a essência da vida contemporânea.
AS SALAS DE CINEMA NÃO MORRERÃO
A experiência [de assistir a
um filme com outras pessoas
no cinema] não se perdeu e não
se perderá. Mesmo gente muito
jovem gosta da sala escura. Ao
mesmo tempo, gosto dos
DVDs. Com eles, posso tratar
os filmes e tê-los como tenho livros. Posso ir para o capítulo
que gosto ou ouvir os comentários do diretor. São experiências completamente diferentes.
CINEMA REGIONAL
"Cinema europeu" é uma noção muito nova. Só nos últimos
20 anos os realizadores começaram a usar o termo. Surgiu
porque precisávamos desse
guarda-chuva para proteger os
diversos cinemas nacionais. É a
única maneira de continuarmos a fazer filmes em nossos
idiomas. Não sei o quanto essa
idéia está na mente do público
sul-americano. Por exemplo,
para o cinema brasileiro ou argentino poderem sobreviver.
Essa noção existe? Se não, está
na hora. Vocês vão precisar
desse guarda-chuva.
Quando tudo se tornar igual
na era global, o nosso futuro e o
futuro de muitos países vão depender do quanto as pessoas se
sentirão em casa e se identificarão com aquele lugar. Só os cinemas regionais poderão dar
suporte a isso. No futuro, a riqueza de um país não será a riqueza econômica, mas a da
identidade própria.
IMIGRAÇÃO E XENOFOBIA
Existe na Europa uma onda
de xenofobia crescente, que a
globalização criou. Por causa
do incrível crescimento da Alemanha nos anos 60, fomos dos
primeiros países a ter exércitos
de trabalhadores estrangeiros.
Houve uma saturação. Os alemães acreditaram que essas
pessoas iriam voltar para seus
países. Mas é claro que não voltaram. A idéia de trazer aquela
força de trabalho mais barata
teve resultados bem diferentes
do que imaginavam as pessoas.
Infelizmente, muitos países
europeus começaram a se tornar hostis e rígidos.
Mas a maior razão para a imigração é a diferença crescente
entre os países que têm emprego e os que não têm nada. No
futuro, isso criará mais crise,
mais violência, e forçará o planeta a buscar novas soluções. A
solução não é fechar as fronteiras, mas abordar a fonte do problema -a pobreza. Se a pobreza
no mundo não for reduzida, esse será o maior problema no
resto do século.
ALERGIA A FILMES VIOLENTOS
Saí nos últimos anos de uns
12 filmes em que percebi que
não estavam me contando por
que a violência ocorria, mas entravam em detalhes porque o
diretor achava que era atrativo
mostrá-la. Sou extremamente
alérgico a esse tipo de filme. E
grato a minha mulher. Sempre
permaneci nesses filmes
achando que, no fim, aprenderia alguma coisa. Ela vai embora logo. Levanta e diz: "Te espero lá fora". As mulheres têm
uma antena social mais sintonizada. Ela percebe de cara que
é um produto comercial e que a
violência está lá apenas para
criar um apelo.
Os filmes de guerra, mesmo
os que são críticos a ela, preparam você para aceitá-la como
opção. Qualquer filme de guerra prepara você para a idéia da
guerra. Toda vez que os americanos começam uma guerra,
pedem a Hollywood uma série
de filmes sobre o tema. Não podemos combater o fato de que
os filmes são o que mostram.
NA INTERNET
www.folha.com.br/082354
veja trechos da sabatina
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