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MÚSICA
Quando morava no Rio, o célebre gatuno britânico fez composições para filme autobiográfico que nunca foi realizado
Trilha perdida revela lado músico de Ronald Biggs
RONALDO EVANGELISTA
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Ronald Biggs sabia viver bem.
Além de suas ocupações mais famosas -assaltante de trem, fugitivo da polícia britânica, gringo
celebridade no Rio de Janeiro-,
ele também alimentava interesses
como cinema e música.
Foi logo depois que chegou ao
Brasil, no começo dos anos 70,
que começou a bolar a idéia de fazer um filme sobre sua vida.
Seria a maneira perfeita de se
tornar famoso contando sua história e aproveitar para se divertir
mais um pouco, tirando um sarro
das autoridades inglesas.
Acontece que ninguém se interessou em bancá-lo, e o filme
nunca foi para a frente. Curiosamente uma trilha sonora foi gravada em 1974 e está sendo lançada
agora, numa época em que Biggs,
75, passa por maus bocados.
Desde que voltou à Inglaterra
em 2001, ele está preso em Londres e seu estado de saúde, após
três derrames, é crítico.
Biggs chegou ao Brasil em 1970,
depois de uma operação plástica,
sob a identidade de Michael Haynes. Trabalhando como marceneiro, conheceu o baixista americano Bruce Henry, que já havia
feito parte da banda de Gilberto
Gil e participava ativamente da
cena musical brasileira da época.
Tornaram-se amigos e quando
surgiu a idéia do filme, Henry topou co-produzir a trilha ao lado
de Biggs, com a colaboração de
músicos como o guitarrista Jaime
Shields, o saxofonista Nivaldo Ornellas e o pianista Guilherme Vaz.
"A história é fascinante", diz
Henry, que ainda mora no Rio e
atualmente faz parte de uma dupla de contrabaixo e sapateado.
"O Ronald Biggs é a estrela do disco, só não está cantando. Quem
fez a história foi ele. Ele tomou a
vida nas mãos e tentou mudá-la.
Ele realmente fez alguma coisa,
assaltou um trem. Não estou dizendo que eu apóio (risos), mas é
claro que, nesse sentido, ele experimentou fazer algo."
Henry conta que o disco foi feito
como se fosse um "storyboard",
com um roteiro. Biggs narrava toda a sua história de vida, dividida
por capítulos, e as composições
eram feitas buscando o clima de
cada evento. O resultado é um álbum "intenso", nas palavras do
músico. "É cheio de energia, é rápido, é agressivo. Até cansa ouvir.
É muito bom musicalmente, mas
não é uma coisa que você vai sentar e botar sua mãe pra escutar."
Com uma sonoridade jazz-rock, o disco foi gravado de forma
independente, um conceito novo
na época, especialmente para um
álbum instrumental. Depois de
algumas tentativas frustradas de
vender o material para uma gravadora - segundo Henry, porque Biggs queria "um monte de
dinheiro"-, as fitas foram esquecidas em alguma estante de sua
casa, onde ficaram tomando poeira até a gravadora inglesa Whatmusic, especializada em raridades
brasileiras, entrar em contato.
É de imaginar se Biggs, creditado como "inspiração e contador
de histórias", não se ofereceu para
cantar na trilha sonora de sua vida, como fez com a banda punk
Sex Pistols em 1978. "Ele chegou a
querer cantar no disco, sim. Mas
nos levávamos muito a sério e não
deixamos. Foi a maior burrice, teria ficado interessante. Mas ele
cantava realmente muito mal."
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